quarta-feira, 3 de abril de 2019

QUERIDO MENINO [BEAUTIFUL BOY]



Querido Menino (Beautiful Boy), Felix van Groeningen, 2018



 Pai Coragem


por Fabio Dantas Flappers

 Nic Sheff (Timothée Chalamet) é um belo menino. É inteligente, vivaz, gentil, sensível, amável e amado. Desde pequeno, filho de um casal divorciado, tem uma forte ligação com o pai, o escritor David Sheff (Steve Carell). Nic também tem forte vocação para a escrita, é aceito em várias prestigiadas universidades, de criança adorável torna-se um jovem homem adorável. Como nada é perfeito nesse mundo, os Sheff são atingidos por uma tempestade: o pai começa a estranhar algumas atitudes do filho e descobre que ele é usuário de drogas desde a adolescência, sobretudo metanfetamina, e que seu vício começa a sair de controle.
  
Nic Sheff, menino inteligente, sensível e promissor
David Sheff velando o sono do filho

O diretor belga Felix van Groeningen, indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro pelo interessantíssimo The Broken Circle Breakdown, de 2012, faz aqui sua estreia no cinema americano. Conduz o filme com admiráveis firmeza e suavidade, desviando com inteligência e elegância todos os clichês de filmes do gênero.  Groeningen assina o roteiro com Luke Davies é uma adaptação de livros escritos por David Sheff e Nic Sheff, sobretudo o escrito pelo pai. Um de seus grandes méritos é não tomar partido sobre o uso de drogas, não endossar nem condenar, apenas mostrar os efeitos devastadores na vida do usuário e sua família, e mostrar que qualquer pessoa pode se tornar adicto, mesmo o belo e querido menino que sempre pareceu perfeito. E que não é preciso um grande trauma e problemas gigantescos para que isso aconteça, pode se dar por simples curiosidade ou circunstâncias cotidianas. As várias cenas de flashback da infância de Nic e sua relação de afeto profundo com o pai, não pretendem injetar sentimentalismo ou manipular as emoções do espectador; ao contrário, constroem um mosaico de quem são aquelas pessoas, de como viviam e se relacionavam antes do caos em que entram pelo vício de Nic. 


Nic afundando na metanfetamina
David e Karen, pai e madrasta, vivendo o caos familiar

David resgatando Nic da sarjeta

Nic recebendo colo de sua mãe Vicki

          O elenco é primoroso e contribui fortemente para o éxito e organicidade do filme. Steve Carell oferece uma das melhores performances de sua carreira, comprovando que é muito mais que um excelente ator de comédia, mostrando mais uma vez todo o seu potencial como ator dramático. Sua dedicação a entender o que acontece com o filho – há uma cena extremamente interessante logo no início do filme, quando David procura um médico especialista no assunto (ponta do grande Timothy Hutton) – e em como pode ajudá-lo são comoventes. Tão bem quanto está Maura Tierney, impressionante como Karen, a segunda mulher de David e madrastra de Nic, com quem tem uma relação de afeto e respeito como com seus próprios filhos pequenos. É a melhor performance de sua carreira até então. Amy Ryan vive Vicki, mãe de Nic, e é sempre marcante em suas poucas cenas. Maura e Amy são tão boas deixam no ar a vontade de que suas personagens interessantes fossem mais exploradas, ainda que esteja claro que a relação central do filme seja entre pai e filho. E como era de se esperar, o centro do filme e a grande performance é de Timothée Chalamet. Ano passado, o jovem ator fez história, venceu inúmeros prêmios, estabeleceu recordes – como assumir o posto de terceiro mais jovem indicado ao Oscar de Melhor Ator em 90 Anos de Oscar – como protagonista do excepcional Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name), de Luca Guadagnino, 2017. Quando um ator, especialmente tao jovem, atinge tal feito, sempre ronda o receio, sobretudo entre os mais céticos, de se tratar de um acerto único, que provavelmente não se repetirá. Chalamet prova aqui que não é o seu caso, e que definitivamente é o mais interessante jovem ator a surgir nas últimas décadas. Sua performance é inteligente e sóbria, em momento algum resvala no apelativo, em momento algum cai no overacting. Um exemplo claro é a cena do reencontro de Nic com o pai no restaurante que sempre frequentavam. Era de se esperar uma cena intensa, que proporcionasse um tour de force ao ator, mas é conduzida com extrema verdade e polidez. Não cai na fácil tentação de criar uma grande cena para Chalamet brilhar; ao contrário, o ator está a serviço de seu personagem, e não destoa de lógica interna deste e do filme. Em outra cena, a overdose no banheiro, Chalamet é exímio, faz uso de louvável minimalismo para compor um dos momentos mais dolorosos do filme. Que ator! Que impressionante jovem ator!

Nic com Karen, David e seus irmãos, tentando resistir ao vício

David Sheff e Nic Sheff: o pai e seu menino bonito
  Querido Menino é um filme extremamente sincero. De sinceridade desconcertante, especialmente para quem espera um grande filme sobre o vício em drogas. É honesto, realista e emociona sem apelar em nenhum momento, o que se confirma na bela cena final, que sutilmente parece homenagear Gente Como a Gente (Ordinary People), de 1980, a obra-prima de Robert Redford como diretor – e um dos mais bonitos e comoventes desfechos em um filme entre pai e filho. A história deste menino bonito é um dos mais honestos, despretensiosos e verdadeiros filmes do ano.


 

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