Caminhada Rumo À Dignidade
Por Fábio Dantas
"Você é boa. Você é esperta. Você é importante." Logo no início de Histórias Cruzadas (The Help) vemos uma mulher dizendo estas palavras para uma menininha. Palavras essenciais para o pleno desenvolvimento de uma criança, capazes de transmitir amor, auto-confiança e segurança. A mulher que as profere é Aibileen Clark (Viola Davis) e a menininha para quem são dirigidas é Mae Mobley (Eleanor Henry). Aibileen é babá de Mae e empregada doméstica de sua família. Aibileen passou sua vida cuidando das crianças de famílias brancas, enquanto mal pode cuidar de seu próprio filho. Deu além de cuidado, amor a todas estas crianças. Mas o retorno das famílias empregadoras e da sociedade não foi dos melhores. Como todas as negras, Aibileen não pode sentar no ônibus, não pode permanecer em certos recintos e não pode usar o banheiro da casa dos patrões, e sim um banheiro separado, para os negros.
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Aibileen com a pequena Mae em sua antiga rotina de babá |
Skeeter Phelan (Emma Stone) é uma jovem rica sulista recém-formada que ávida por ser uam escritora séria e respeitada, pretende escrever um livro que faça diferença. Skeeter sente-se entediada, decepcionada e cansada em sua vida sulista, reprova as futilidades e vida oca de suas amigas burguesas, e mesmo algumas atitudes de sua própria família. Como todas as brancas, Skeeter deveria ser mais prendada e afeita às tarefas do lar, gastar seu tempo em chás para fofocar sobre a vida alheia e tentar agarrar um marido rico, antes que seja tarde demais e passe da idade. Skeeter, em pleno Movimento pelos Direitos Civis nos anos 60, decide escrever um livro com depoimentos das empregadas negras sobre seu trabalho para as famílias brancas.
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Skeeter em sua nova rotina de escritora |
Os caminhos de Aibileen e Skeeter, duas mulheres singulares em seus meios, se cruzam quando esta pede à empregada de sua amiga que lhe de depoimentos para seu livro. Aibileen, de início reticente por represálias, acaba aceitando dividir sua história com Skeeter. E traz também as histórias de Minny Jackson (Octavia Spencer), melhor amiga de Abileen e empregada da frívola e maldosa Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard), figura dominadora que lidera as mulheres da vizinhança. Vários fatos em ebulição na iminente explosão dos conflitos raciais vão por em xeque a necessidade de reflexão e posicionamento por parte de cada um.
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Skeeter e Aibileen selam sua parceria... |
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...que logo contará também com Minny. |
Os personagens de Histórias Cruzadas caminham em busca de sua identidade. Pessoas em busca da afirmação de quem são, quem querem ser e quem podem ser ou do mais próximo que podem ser de quem querem ser. Minny doma o quanto pode sua impetuosidade, é o paradoxo de ser uma mulher forte e decidida, mas sob a opressão dos patrões e do marido. Celia Foote (Jessica Chastain), mulher doce e desprezada pela elite local por ter casado com um homem rico e ser considerada excêntrica, descobre que mais importante que ser aceita, é compreender sal condição de mulher e esposa. Mesmo Hilly, em sua total falta de identidade, sendo uma mulher cruel e preconceituosa, é forçadamente a ocultar – no acontecimento do filme, com a ajuda e o talento gastronômico de Minny – o que mais gosta de exaltar: sua (perturbada) identidade, que não poupa nem sua própria mãe Missus Walters (Sissy Spacek). Mas sobretudo, o filme trata das identidades de Skeeter e Aibillen. Skeeter se rebela para quebrar o ciclo de menina inútil que a vida sulista lhe reserva, e evitar seguir os passos de sua mãe Charlotte Phelan (Allison Janney), refém das convenções. Quando vêm à tona a história e o acontecido com sua própria babá, Constantine Jefferson (Cicely Tyson), Skeeter assume de vez a responsabilidade do livro como algo pessoal. Aibileen segue nas condições do que a vida lhe dá, ciente de sua capacidade e dignidade intocáveis, mas aprisionada sob o jugo do preconceito racial e social. Em determinada cena Mae diz para Aibileen: "Você é minha mãe de verdade, Aibi." O que só reforça todo o jogo de identidades presente no filme, mais ainda quando sabemos dos acontecimentos com o filho de Aibeleen.
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Minny dando uma ajuda para a frágil Sra. Celia Foote... |
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e indo entregar sua torta muito especial. |
Se o roteiro de Histórias Cruzadas não é complexo e profundo o suficiente para dar conta de tantas questões importantes que acontecem com seus personagens e se a direção de Tate Taylor apenas narra os acontecimentos, sem imprimir uma marca mais forte, o grande trunfo do filme é seu elenco. Todo o grupo é extremamente coeso e ter atrizes como Sissy Spacek, Allison Janney, Cicely Tyson, Bryce Dallas Howard e Mary Steenburgen em plena forma é um mérito. Assim como atrizes que aqui tem sua primeira grande chance como a luminosa Jessica Chastain, a excelente Octavia Spencer e a estrela ascendente Emma Stone - que está no elenco do blockbuster do ano, o aguardadíssimo O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man).
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Aibileen fazendo-se a dignidade personificada |
Contudo, mais que qualquer outro ponto positivo do filme, o seu grande brilho, a alma e razão de ser do filme é Viola Davis e sua Aibileen, que transborda lucidez, caráter, doçura, humanidade e dignidade. Um suspiro sufocado, um gesto comedido, um olhar em silêncio de Davis é algo sem preço. É o minimalismo que brilha por mérito, com louvor. Seu valor é incalculável.
A caminhada de Aibileen ao final do filme é a caminhada de todos os que lutam, persistem, sobrevivem e continuam.
* Ficha Técnica no IMDb: http://www.imdb.com/title/tt1454029/