Inventário
Afetivo Vestido de Canções
por Fábio
Dantas
A memória
é um dos mais poéticos atributos do ser humano. As experiências, feitos e vivências
dos homens, que formam o somatório do
que estes são e constroem sua identidade, ficam para sempre eternizadas,
enquanto são lembradas. É uma das grandes mágicas da viver, e também um dos
maiores milagres da Arte. O homem é um ser que pode sempre revisitar e reviver
o que está inscrito nas tábuas de sua memória e nas entranhas de seu coração. Pobres
são os que não tem memórias.
Chico Buarque e a equipe da peça |
Chico
Buarque é um patrimônio vivo. Dentre os grandes da música brasileira – Tom
Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto – é o mais prolífico e o que mais
transitou por caminhos diversos. Ainda, o que construiu uma vasta obra
dramática, produzindo para o teatro, cinema e TV algumas peças inesquecíveis.
Um dos primeiros assombros em Todos
os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos é o fato desta só
dar conta dessa obra dramática de Chico. Quando consideramos tudo que ele
produziu apenas para álbuns musicais, desconsideranto a
dramaturgia, é que temos a real dimensão de seu Gênio e das razões pelas quais
é o Mito que é. Todas as memórias de Chico - as líricas, as políticas, as
amorosas – tecem uma teia de histórias e sentimentos, um mosaico de dor,
beleza, amor, de ser e estar no tempo. Seja este tempo o presente ou um tempo
idealizado. Como um tempo da delicadeza,
um tempo encantado, como o próprio Chico indica na belíssima Todo o Sentimento, em parceria com
Cristóvão Bastos na década de 80: “Depois
de te perder, te encontro, com certeza, talvez num tempo da delicadeza/ Onde
não diremos nada; nada aconteceu/ Apenas seguirei, como encantado ao lado teu”.
Ricos e afortunados são os que mantém vivas as memórias.
De certo
modo, a memória é um elemento que se impõe em várias obras de Charles Möeller e
Claudio Botelho. Cole Porter – Ele Nunca Disse que Me
Amava, 7 – O Musical,
O Despertar da Primavera, Gypsy, Um Violinista no Telhado, Judy
Garland – O Fim do Arco-Íris, entre tantos outros, tratam de memória,
recriam memórias, versam sobre o passado, em como o passado é definidor do
presente e construtor do futuro. Alguns de seus personagens são espectros de um
podia ter sido, outros são fragmentos
do que foram, revistos por si ou pelos que lhes contam; outros ainda lutam desesperadamente para
vencer seus fantasmas do passado e se reinventarem, e ainda outros, vivem pelo
que foram um dia, tudo que lhes resta é navegar no azul da nostalgia e contar,
cantar, eternizar suas memórias e seu inventário afetivo.
E é precisamente
a memória a abordagem escolhida por Charles Möeller e Claudio Botelho para
construir Todos os Musicais de Chico
Buarque em 90 Minutos, em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Shopping
da Gávea, homenagem aos setenta anos de Chico Buarque, um sucesso absoluto no
Rio de Janeiro desde o início de 2014. Mestres absolutos em Teatro Musical no
Brasil, onde reinanm absolutos e sem pares, a dupla Möeller & Botelho
entrega mais um espetáculo ímpar. A opção de cantar as obras-primas de Chico
atrávés de um grupo de artistas de Teatro Mambembe, e dar a narrativa ao velho
dona da companhia, interpretado por Botelho, foi um toque genial, servindo como
alicerce dramático que possibilita altas doses de lirismo e momentos comoventes.
Todas as figuras que integam a companhia – o velho dono e sua mulher sempre em pé de guerra, seu filho que simboliza o
artista boêmio e trágico, a jovem que se torna rapidamente musa do grupo, o
galã, a mocinha, a cigana, a cartomante – são emblemas, signos repletos de
nostalgia de uma era em que o teatro – e o mundo – eram outros.
Mulheres de Chico: Soraya, Malu, Renata, Lillian, Estrela |
A cenografia de Rogério Falcão
prima pelo minimalismo absoluto, com andaimes, grandes estruturas de
ferro, que remetem a cenografia de O Despertar da Primavera. Os figurinos de Marcelo Pies traduzem
toda a diversidade de uma trupe mambembe, com cores e panejamento bem
diversificado, aliando a beleza de quem precisa encantar o público e a
praticidade para quem está sempre em movimento, itinerantes correndo o país. A
iluminação de Paulo Cesar Medeiros é uma festa, dando o vigor e a dramaticidade
necessárias e valorizando o elenco em belos momentos de recolhimento e
intimismo. Um espetáculo construído a partir da obra de Chico Buarque exige um
apuro músical no mínimo sublime. E Thiago Trajano e seus
músicos o fazem com maestria. O próprio Trajano (violão), Priscilla Azevedo (teclado e acordeon),
Marcio Romano (bateria e percussão) – além de Jules
Vandystadt (que fez os arranjos vocais) – são excepcionais e dignificam cada
nota composta por Chico Buarque. Dentro tantos números musicais
excepcionais, é muito difícil eleger melhores,
pois o nível de todos é muito alto. Alguns, contudo, definitivamente
transcendem, seja pelo brilho dos intérpretes, pela concepção da cena ou por
recursos inventivos. Geni
e o Zepelin é forte, soando atual com os
cartazes de protesto, nesse caso, protesto do mal. Não Sonho Mais, Invicta e
Gota D’ Àgua, as três em solos
arrepiantes de Soraya Ravenle, são três momentos de força visceral. O Que Será inicia com a versão bastarda À Flor da Terra e desemboca no hino À Flor da Pele, uma das mais
extraordinárias composições de Chico – e da Língua Portuguesa. Assim como Funeral
de um Lavrador, Beatriz, Sob Medida e Samba do Grande Amor. Tango do Covil é um momento ímpar,
inesquecível sob todos os aspectos. E Pedaço de Mim confere o
momento mais belo e poético de todos, com os atores iluminando seus rostos com
refletores. Absolutamente transcendental.
Davi Guilhermme, Malu Rodrigues, Estrela Blanco, Felipe Tavolaro: crias de O Despertar da Primavera |
Todo o elenco já trabalhou com
Möeller & Botelho anteriormente, o que certamente colabora para a fluência que
vemos em cena. O personagem de Claudio Botelho é o narrador. A memória
combalida que se esforça para se impor e continuar existindo. O personagem é
comovente por si e Botelho o faz com gosto e notável prazer, com tons
agridoces. Soraya Ravenle é excepcional, uma atriz plena e completa, no auge do
seu domínio dramático e vocal. É uma DIVA absoluta, uma das grandes do teatro
musical brasileiro. Lilian Valeska imprime sua marca muito bem, com um registro
vocal personalíssimo. Felipe Tavolaro é o interprete menos beneficiado pela
estrutura do espetáculo, o que tem menos chances, mas quando chega seu grande
momento em Roda Viva, brilha com
louvor. Estrela Blanco é uma presença agradabilíssima e mostra amadurecimento, embora em alguns momentos fique a impressão de que algumas canções não são as
ideais para sua. Renata Celidonio é simplesmente arrebatadora. Com voz intensa
e carisma impressionantes, é um dos pontos altos do elenco e uma figura da qual
não conseguimos tirar o olhar. É uma força da natureza, na maior acepção do
termo. Davi Guilhermme atinge aqui sua maioridade artística. Seu personagem é o
que dramaturgicamente funciona melhor – ao lado do dono da companhia de Botelho
– e personifica, como já dito antes, o artista boêmio, romântico, solitário,
trágico. A construção do ator é minuciosa em gestos e expressões,
especificamente no olhar intenso e vidrado. São claros os ecos chaplinianos em
um personagem lírico, que poderia render uma trama só para si. Malu Rodrigues,
já uma estrela da Companhia Möeller & Botelho, cresce cada vez mais como
atriz, com maturidade evidente, inclusive mostrando sensualidade nunca vista
antes. Já como cantora, Malu nem tem mais como crescer; já está pronta. Segue sem
pares como a maior voz do teatro musical em sua geração.
"O que será, que será/ Qua dá dentro da gente e que não devia/ Que desacata a gente, que é revelia" |
Davi Guilhermme e Malu Rodrigues: performances de primeira linha |
Malu, menina, mulher, musa e estrela da companhia |
Todos
os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos faz jus ao Mestre
Chico Buarque. Com suas elipses temporais e espaciais, com idas e vindas, dores
e amores, e com a perenidade da memória, enaltece a obra do maior autor de história
da música brasileira. Chico Buarque é um patrimônio universal.
TODOS OS MUSICAIS DE CHICO
BUARQUE EM 90 MINUTOS
Elenco
CLAUDIO BOTELHO
SORAYA RAVENLE
DAVI GUILHERMME
ESTRELA BLANCO
FELIPE TAVOLARO
LILIAN VALESKA
MALU RODRIGUES
RENATA CELIDONIO
Músicos
THIAGO TRAJANO (violão)
PRISCILLA AZEVEDO (teclado e acordeon)
MARCIO ROMANO (bateria e percussão)
CHARLES MÖELLER & CLAUDIO BOTELHO
Criação e direção
THIAGO TRAJANO
Arranjos musicais
JULES VANDYSTADT
Arranjos vocais
ROGÉRIO FALCÃO
Cenografia
MARCELO PIES
Figurinos
PAULO CESAR MEDEIROS
Iluminação
SORAYA RAVENLE
DAVI GUILHERMME
ESTRELA BLANCO
FELIPE TAVOLARO
LILIAN VALESKA
MALU RODRIGUES
RENATA CELIDONIO
Músicos
THIAGO TRAJANO (violão)
PRISCILLA AZEVEDO (teclado e acordeon)
MARCIO ROMANO (bateria e percussão)
CHARLES MÖELLER & CLAUDIO BOTELHO
Criação e direção
THIAGO TRAJANO
Arranjos musicais
JULES VANDYSTADT
Arranjos vocais
ROGÉRIO FALCÃO
Cenografia
MARCELO PIES
Figurinos
PAULO CESAR MEDEIROS
Iluminação
ANDERSON SCHINAIDER
Operador de Luz
Operador de Luz
JIMMY
MENEZES
JANSEN CASTELLAR
Operadores de Canhão
MARCELO CLARET
Design de som
Operadores de Canhão
MARCELO CLARET
Design de som
LEO LADEIRA
Edição de Conteúdos de Websites e Redes Sociais
TINA SALLES
Coordenação artística
CLAUDIO BOTELHO
Direção musical
CHARLES MÖELLER
Direção
Realização
Möeller & Botelho
Pathavidhatu Empreendimentos Culturais
Clássica Produções
Edição de Conteúdos de Websites e Redes Sociais
TINA SALLES
Coordenação artística
CLAUDIO BOTELHO
Direção musical
CHARLES MÖELLER
Direção
Realização
Möeller & Botelho
Pathavidhatu Empreendimentos Culturais
Clássica Produções
***