Querido Menino (Beautiful Boy), Felix van Groeningen, 2018
Pai Coragem
por Fabio Dantas Flappers
Nic Sheff (Timothée Chalamet) é um belo menino. É
inteligente, vivaz, gentil, sensível, amável e amado.
Desde pequeno, filho de um casal divorciado, tem uma forte ligação com o pai, o
escritor David Sheff (Steve Carell). Nic também tem forte vocação para a
escrita, é aceito em várias prestigiadas universidades, de criança adorável
torna-se um jovem homem adorável. Como nada é perfeito nesse mundo, os Sheff
são atingidos por uma tempestade: o pai começa a estranhar algumas atitudes do
filho e descobre que ele é usuário de drogas desde a adolescência, sobretudo metanfetamina,
e que seu vício começa a sair de controle.
David Sheff velando o sono do filho |
O diretor belga Felix van Groeningen, indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro pelo interessantíssimo The Broken Circle Breakdown, de 2012, faz aqui sua estreia
no cinema americano. Conduz o filme com admiráveis firmeza e suavidade, desviando
com inteligência e elegância todos os clichês de filmes do gênero. Groeningen assina o roteiro com Luke Davies é
uma adaptação de livros escritos por David Sheff e Nic Sheff, sobretudo o
escrito pelo pai. Um de seus grandes méritos é não tomar partido sobre o uso de
drogas, não endossar nem condenar, apenas mostrar os efeitos devastadores na
vida do usuário e sua família, e mostrar que qualquer pessoa pode se tornar
adicto, mesmo o belo e querido menino que sempre pareceu perfeito. E que não é
preciso um grande trauma e problemas gigantescos para que isso aconteça, pode
se dar por simples curiosidade ou circunstâncias cotidianas. As várias cenas de
flashback da infância de Nic e sua relação de afeto profundo com o pai, não pretendem
injetar sentimentalismo ou manipular as emoções do espectador; ao contrário,
constroem um mosaico de quem são aquelas pessoas, de como viviam e se
relacionavam antes do caos em que entram pelo vício de Nic.
Nic afundando na metanfetamina |
David e Karen, pai e madrasta, vivendo o caos familiar |
David resgatando Nic da sarjeta |
Nic recebendo colo de sua mãe Vicki |
O elenco é primoroso e contribui fortemente para o éxito e organicidade do filme. Steve Carell oferece uma das melhores performances de sua carreira, comprovando que é muito mais que um excelente ator de comédia, mostrando mais uma vez todo o seu potencial como ator dramático. Sua dedicação a entender o que acontece com o filho – há uma cena extremamente interessante logo no início do filme, quando David procura um médico especialista no assunto (ponta do grande Timothy Hutton) – e em como pode ajudá-lo são comoventes. Tão bem quanto está Maura Tierney, impressionante como Karen, a segunda mulher de David e madrastra de Nic, com quem tem uma relação de afeto e respeito como com seus próprios filhos pequenos. É a melhor performance de sua carreira até então. Amy Ryan vive Vicki, mãe de Nic, e é sempre marcante em suas poucas cenas. Maura e Amy são tão boas deixam no ar a vontade de que suas personagens interessantes fossem mais exploradas, ainda que esteja claro que a relação central do filme seja entre pai e filho. E como era de se esperar, o centro do filme e a grande performance é de Timothée Chalamet. Ano passado, o jovem ator fez história, venceu inúmeros prêmios, estabeleceu recordes – como assumir o posto de terceiro mais jovem indicado ao Oscar de Melhor Ator em 90 Anos de Oscar – como protagonista do excepcional Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name), de Luca Guadagnino, 2017. Quando um ator, especialmente tao jovem, atinge tal feito, sempre ronda o receio, sobretudo entre os mais céticos, de se tratar de um acerto único, que provavelmente não se repetirá. Chalamet prova aqui que não é o seu caso, e que definitivamente é o mais interessante jovem ator a surgir nas últimas décadas. Sua performance é inteligente e sóbria, em momento algum resvala no apelativo, em momento algum cai no overacting. Um exemplo claro é a cena do reencontro de Nic com o pai no restaurante que sempre frequentavam. Era de se esperar uma cena intensa, que proporcionasse um tour de force ao ator, mas é conduzida com extrema verdade e polidez. Não cai na fácil tentação de criar uma grande cena para Chalamet brilhar; ao contrário, o ator está a serviço de seu personagem, e não destoa de lógica interna deste e do filme. Em outra cena, a overdose no banheiro, Chalamet é exímio, faz uso de louvável minimalismo para compor um dos momentos mais dolorosos do filme. Que ator! Que impressionante jovem ator!
Nic com Karen, David e seus irmãos, tentando resistir ao vício |
David Sheff e Nic Sheff: o pai e seu menino bonito |
Querido Menino é um filme extremamente sincero. De sinceridade
desconcertante, especialmente para quem espera um grande filme sobre o vício em
drogas. É honesto, realista e emociona sem apelar em nenhum momento, o que se
confirma na bela cena final, que sutilmente parece homenagear Gente Como a
Gente (Ordinary People), de 1980, a obra-prima de Robert Redford como diretor –
e um dos mais bonitos e comoventes desfechos em um filme entre pai e filho. A
história deste menino bonito é um dos mais honestos, despretensiosos e
verdadeiros filmes do ano.
*Ficha Técnica no IMDb: https://www.imdb.com/title/tt1226837/?ref_=rvi_tt