segunda-feira, 26 de junho de 2023

AO SEU LADO [IN FROM THE SIDE]

AO SEU LADO [IN FROM THE SIDE]

 Ao Seu Lado (In From the Side), Matt Carter, 2023


O Que Os Impede, Afinal?

 por Fabio Dantas Flappers


É extremamente animador e um verdadeiro alívio ver um filme que aborde a temática LGBTQ e que não termine em uma tragédia. Ao contrário, o romance que surge entre dois jogadores de rugby de uma liga gay não lida com homofobia, discriminação e nem tem maiores impedimentos externos que tornem a relação proibida. Apenas por naturalizar uma relação gay e mostrar o quanto estas muito pouco diferem de relações heterossexuais, o filme torna-se obrigatório de ser assistido. Ironicamente,  isso se torna o maior problema do filme, seu ponto mais fraco.

Warren e Mark: de uma noite casual...

... para algo muito mais significativo

A trama é extremamente simples: dos jogadores de uma liga de rugby exclusivamente composta por homens gays vivem uma noite de sexo ocasional, e depois descobrem um interesse maior, muito além de uma relação de apenas uma noite. Mark (Alexander Lincoln) fica frustrado ao saber que Warren (Alexander King) tem namorado, para depois relevar a Warren que também é comprometido. Ambos passam a viver um romance em segredo, sem que seus parceiros e companheiros de time saibam.


Diversidade no Rugby: uma liga só deles.  

Warren, jogador e astro da Liga A, a principal

É exatamente aí que o filme apresenta seu maior problema e limitação: o roteiro é extremamente limitado ao apresentar uma razão para que Mark e Warren não possam viver sua paixão recém-descoberta. Ambos parecem viver relações mornas com seus companheiros, não há nenhum tipo de dependência financeira, filhos ou qualquer entrave para viverem seu romance. Além disso, Mark parece ser um homem chato e cheio de dúvidas, e em alguns momentos nos perguntamos o que um homem bonito, sexy, postura do e interessante como Warren viu nele. Inacreditavelmente, Mark também é alvo do interesse de um amigo e companheiro de time, Henry (Wiliam Hearle, ator bem interessante), que se sentindo rejeitado e não devidamente valorizado pelo time, acaba abusando de bebidas alcoólicas frequentemente. Muito mais interessante de acompanhar seria uma relação entre Warren e Henry.

Henry, amigo e companheiro de Mark na Liga B.

A conclusão, após a relação ser descoberta, é muito frustrante e revela o quanto o roteiro do filme é frágil e incoerente, e também o quanto Mark é frívolo, irrestrito e chato, muito chato. Ao menos, o  filme apresenta uma cena de extrema intensidade para Warren, que faz Alexander King brilhar e nos mostra o sensível ator que é.


Warren em ação!

O diretor Matt Carter é um homem corajoso. Levantou dinheiro para a realização do filme através de uma campanha de crowdfunding. Além de diretor, roteirista (em parceria com Adam Silver) e produtor, Carter também assina a fotografia, edição, trilha sonora, figurinos,  efeitos visuais, design de títulos de encerramento, além do casting e de compor e interpretar três canções. Em uma produção de baixo orçamento pode parecer simples, mas é algo que exige coragem. E o saldo final é positivo, ainda que o filme apresente inconsistências habituais para um diretor estreante. O diretor cria algumas cenas extremamente interessantes (como o interlúdio romântico do casal, em pleno Natal, na casa dos pais de Mark e a conversa franca deste com a mãe, algumas cenas das partidas esportivas e, sobretudo, na cena em que o romance é descoberto), que mostram sensibilidade e potencial para investir na direção em outros filmes.


Os amantes na cama, ao amanhecer.

 “Ao Seu Lado” tem valor por apresentar um romance gay que evita muitos estereótipos (inclusive há pouquíssima nudez e cenas de sexo) e apresentar um diretor que tem iniciativa. Que em seu próximo projeto ele tenha um material mais forte e bem desenhado para trabalhar.


*Ficha Técnica no IMDb:https://www.imdb.com/title/tt7947604/?ref_=nm_flmg_t_1_act


quarta-feira, 3 de abril de 2019

QUERIDO MENINO [BEAUTIFUL BOY]



Querido Menino (Beautiful Boy), Felix van Groeningen, 2018



 Pai Coragem


por Fabio Dantas Flappers

 Nic Sheff (Timothée Chalamet) é um belo menino. É inteligente, vivaz, gentil, sensível, amável e amado. Desde pequeno, filho de um casal divorciado, tem uma forte ligação com o pai, o escritor David Sheff (Steve Carell). Nic também tem forte vocação para a escrita, é aceito em várias prestigiadas universidades, de criança adorável torna-se um jovem homem adorável. Como nada é perfeito nesse mundo, os Sheff são atingidos por uma tempestade: o pai começa a estranhar algumas atitudes do filho e descobre que ele é usuário de drogas desde a adolescência, sobretudo metanfetamina, e que seu vício começa a sair de controle.
  
Nic Sheff, menino inteligente, sensível e promissor
David Sheff velando o sono do filho

O diretor belga Felix van Groeningen, indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro pelo interessantíssimo The Broken Circle Breakdown, de 2012, faz aqui sua estreia no cinema americano. Conduz o filme com admiráveis firmeza e suavidade, desviando com inteligência e elegância todos os clichês de filmes do gênero.  Groeningen assina o roteiro com Luke Davies é uma adaptação de livros escritos por David Sheff e Nic Sheff, sobretudo o escrito pelo pai. Um de seus grandes méritos é não tomar partido sobre o uso de drogas, não endossar nem condenar, apenas mostrar os efeitos devastadores na vida do usuário e sua família, e mostrar que qualquer pessoa pode se tornar adicto, mesmo o belo e querido menino que sempre pareceu perfeito. E que não é preciso um grande trauma e problemas gigantescos para que isso aconteça, pode se dar por simples curiosidade ou circunstâncias cotidianas. As várias cenas de flashback da infância de Nic e sua relação de afeto profundo com o pai, não pretendem injetar sentimentalismo ou manipular as emoções do espectador; ao contrário, constroem um mosaico de quem são aquelas pessoas, de como viviam e se relacionavam antes do caos em que entram pelo vício de Nic. 


Nic afundando na metanfetamina
David e Karen, pai e madrasta, vivendo o caos familiar

David resgatando Nic da sarjeta

Nic recebendo colo de sua mãe Vicki

          O elenco é primoroso e contribui fortemente para o éxito e organicidade do filme. Steve Carell oferece uma das melhores performances de sua carreira, comprovando que é muito mais que um excelente ator de comédia, mostrando mais uma vez todo o seu potencial como ator dramático. Sua dedicação a entender o que acontece com o filho – há uma cena extremamente interessante logo no início do filme, quando David procura um médico especialista no assunto (ponta do grande Timothy Hutton) – e em como pode ajudá-lo são comoventes. Tão bem quanto está Maura Tierney, impressionante como Karen, a segunda mulher de David e madrastra de Nic, com quem tem uma relação de afeto e respeito como com seus próprios filhos pequenos. É a melhor performance de sua carreira até então. Amy Ryan vive Vicki, mãe de Nic, e é sempre marcante em suas poucas cenas. Maura e Amy são tão boas deixam no ar a vontade de que suas personagens interessantes fossem mais exploradas, ainda que esteja claro que a relação central do filme seja entre pai e filho. E como era de se esperar, o centro do filme e a grande performance é de Timothée Chalamet. Ano passado, o jovem ator fez história, venceu inúmeros prêmios, estabeleceu recordes – como assumir o posto de terceiro mais jovem indicado ao Oscar de Melhor Ator em 90 Anos de Oscar – como protagonista do excepcional Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name), de Luca Guadagnino, 2017. Quando um ator, especialmente tao jovem, atinge tal feito, sempre ronda o receio, sobretudo entre os mais céticos, de se tratar de um acerto único, que provavelmente não se repetirá. Chalamet prova aqui que não é o seu caso, e que definitivamente é o mais interessante jovem ator a surgir nas últimas décadas. Sua performance é inteligente e sóbria, em momento algum resvala no apelativo, em momento algum cai no overacting. Um exemplo claro é a cena do reencontro de Nic com o pai no restaurante que sempre frequentavam. Era de se esperar uma cena intensa, que proporcionasse um tour de force ao ator, mas é conduzida com extrema verdade e polidez. Não cai na fácil tentação de criar uma grande cena para Chalamet brilhar; ao contrário, o ator está a serviço de seu personagem, e não destoa de lógica interna deste e do filme. Em outra cena, a overdose no banheiro, Chalamet é exímio, faz uso de louvável minimalismo para compor um dos momentos mais dolorosos do filme. Que ator! Que impressionante jovem ator!

Nic com Karen, David e seus irmãos, tentando resistir ao vício

David Sheff e Nic Sheff: o pai e seu menino bonito
  Querido Menino é um filme extremamente sincero. De sinceridade desconcertante, especialmente para quem espera um grande filme sobre o vício em drogas. É honesto, realista e emociona sem apelar em nenhum momento, o que se confirma na bela cena final, que sutilmente parece homenagear Gente Como a Gente (Ordinary People), de 1980, a obra-prima de Robert Redford como diretor – e um dos mais bonitos e comoventes desfechos em um filme entre pai e filho. A história deste menino bonito é um dos mais honestos, despretensiosos e verdadeiros filmes do ano.


 

sexta-feira, 29 de março de 2019

UM ATO DE ESPERANÇA [THE CHILDREN ACT]


  
Um Ato de Esperança (The Children Act), Richard Eyre, 2018.


Um Ato Transformador

por Fabio Dantas Flappers

A Lei da Criança (The Children Act) de 1989 atribui deveres às autoridades locais, tribunais, pais e outras agências no Reino Unido, para garantir que as crianças sejam protegidas e que seu bem-estar seja promovido e garantido. A juíza Fiona Maye (Emma Thompson) é responsável pelo caso de Adam Henry (Fionn Whitehead), um inteligente e maduro jovem de 17 anos com leucemia, que se recusa a receber tratamento por questões religiosas, já que é Testemunha de Jeová e a religião condena a prática. Seus pais seguem o mesmo pensamento. Fiona ainda vive um grande dilema moral por conta de seu veredito em um caso anterior, sobre a separação de irmãos siameses. Simultaneamente, seu marido Jack Maye (Stanley Tucci) comunica que, por conta da dedicação excessiva da mulher ao trabalho e do afastamento e esfriamento que se estabeleceram em seu casamentou, tanto emocionalmente quanto sexualmente, está disposto a iniciar uma relação extraconjugal. Sob essa pressão, a juíza toma uma decisão pouco ortodoxa: ir ao hospital e ouvir Adam sobre sua escolha. Com esse ato, muda a vida e o destino do jovem Henry de modo definitivo.

Henry e a Juíza Maye no hospital
  
Ian McEwan é incontestavelmente um dos maiores autores vivos na ativa. Em suas obras, escolhas éticas e morais são pontos centrais. Como no excepcional Desejo e Reparação (Atonement), de Joe Wright, 2007, uma simples situação cotidiana desencadeia um ato que acaba levando a fatos imprevisíveis, gerando profundas questões existenciais, dilemas de consciência e, novamente, escolhas éticas e morais. O diretor Richard Eyre, sempre reverente às tramas que dirige – e talvez por ciência da força da trama roteirizada pelo próprio McEwan –, não ousa interferir nem insinua uma marca pessoal, deixando que o texto, os personagens e o elenco dominem plenamente.
 
Fiona e Henry, face a face

A grande força motriz do filme é Emma Thompson. Atriz rara, modula as dúvidas e fraquezas da Juíza Maye, escondidas sob a aura de austeridade, como só os grandes atores conseguem. Seu rosto é como uma tela onde imprime cada nuance, hesitação e todos os conflitos da personagem. Tucci tambem constrói um tipo interessantíssimo, com sinceridade raramente vista para homens em sua situação. Whitehead transmite uma neutralidade – exatamente como em Dunkirk, de Christopher Nolan, 2017 – que acaba servindo muito bem à inexperiência e certezas abaladas de Adam, ainda que seja inevitável pensar que outro ator pudesse trazer cores mais vigorosas.

Jack e Fiona Maye discutindo sua crise conjugal 
Adam Henry descobrindo um novo mundo
  “Um Ato de Esperança” é uma obra que trata de um tema de forte potencial emocional, e talvez seu maior mérito seja construir este percurso com sobriedade e contenção; do contrário, poderia ser um dramalhão. Felizmente, não é. A história dos personagens é tratada com a dignidade e o respeito que merece. 

*Ficha Técnica no IMDb: https://www.imdb.com/title/tt6040662/?ref_=nv_sr_1