terça-feira, 10 de janeiro de 2012

De Pé Ao Lado dos Gigantes

Fábio Dantas, ao centro, e os entrevistadores Hitchcock, Capra, Anderson, Kazan e Allen

De Pé Ao Lado dos Gigantes

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Cinema, a Arte do século. Que espelha, recria e modifica o mundo. Que se adapta, se transforma e reflete os novos tempos; mas nunca perde seu irresistível poder de encantamento e de linguagem universal. E de por muitas vezes inverter nossas noções de real e imaginário, de nos conferir uma vida paralela, contudo totalmente integrada com a real.

Em seu lançamento, PROJEÇÕES DIFUSAS propõe uma inversão, outra além das lentes e luzes; Fábio Dantas, Pesquisador, Historiador e Crítico de Cinema, é entrevistado por Woody Allen, Frank Capra, Alfred Hitchcock, Elia Kazan e Paul Thomas Anderson, cinco diretores referenciais no panorama cinematográfico. Durante uma tarde ensolarada de início de janeiro, em um hotel em Ipanema, eles conversam sobre os rumos da Arte e do Cinema, sobre a crítica, integridade profissional, escolhas e todas as possibilidades que os filmes tem de nos impelir adiante. Tudo moldado pelo amor comum ao cinema.
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KAZAN: Antes de tudo, como você recebeu esse convite, essa proposta de inversão, do crítico virar objeto de estudo e análise pelo artista?

DANTAS: Essas propostas que subvertem o lugar comum sempre me interessam. Sempre vi a Arte e a crítica como campos mais que complementares; são quase indissociáveis. De fato, um depende do outro. E essa dependência não significa subserviência, mas é conseqüência do processo artístico. Minha formação oficial é em História da Arte, como historiador tenho plena consciência de que o objeto artístico existe além da crítica. Mas também sei que esta é imprescindível não apenas para a aproximação deste com o público, mas principalmente para a sua legitimação.

KAZAN: Poderia elaborar melhor isso? Há artistas que não falam de suas obras, assim como há críticos que sequer mergulham no objeto artístico. Como isso se aplica nesse caso?

DANTAS: Creio que em como todos os outros. Há grande Arte, feita por grandes artistas. Assim como há os medíocres, que nem sei se podemos chamar da artistas, chamemos de “artistas ruins”. Como há os bons críticos, sérios e preparados, e os críticos incompetentes. Há de tudo no mundo. O que acredito que agrave um pouco no caso do Cinema, é que a crítica cinematográfica está caindo bastante. Nunca esteve tão fraca, ao menos desde que eu acompanho.

KAZAN: Poderia elabora melhor?

DANTAS: Sim, posso. Por exemplo, aqui no Brasil temos uma crítica de teatro das mais prestigiadas, Barbara Heliodora, que também é uma das maiores especialistas em Shakespeare por aqui, além de escritora e tradutora. Ela é muito temida, tem fama de exigente, mas ela é uma crítica de verdade. Analisa de fato o objeto de seu estudo. Tem conteúdo, disseca de fato a obra. Mais importante, entende de fato do assunto. E talvez, mais importante ainda, ama aquilo que analisa e se propõe a tratar. Sem essa paixão, não creio que possa funcionar.

ALLEN: Essa declaração é perigosa e pode parecer ingênua, pois sugere que, de alguma forma, a paixão pelo assunto pode valer mais que o conhecimento e a capacidade intelectual. Nesse tempos de mídia eletrônica, de tantos “especialistas” de internet, isso é mais grave ainda.

DANTAS: Exatamente. Ambos são importantes. O equilíbrio entre ambos é que faz um bom crítico. O que quis dizer é que sem amor pelo objeto estudado não pode funcionar. Sem conhecimento, obviamente, também não. Eu particularmente prezo ambos os fatores, mas acho mais fácil alguém movido por paixão conseguir adquirir o conhecimento necessário, do que alguém com conhecimento mas que escreva sem paixão, ou que só escreva para os seus pares. Porque aí vira algo burocrático, pernóstico, estéril. E isso quando entendem. Há uma tendência em nosso mundo para uma arrogância e futilidade que me desgasta. Vemos pessoas que mal entendem de determinado assunto, mas que gostam de aparentar entender. Não entendemos de tudo. Se não entende, mais vale começar a aprender que fingir que entende.

ANDERSON: E falando dos realizadores, de quem faz cinema? Você considera que o nível também está baixo?

DANTAS: Infelizmente, tenho a impressão que o mundo todo está se nivelando por baixo. É um fenômeno – se é que podemos falar assim – lamentável e geral. Não só nas Artes, não só em cinema, mas no geral, inclusive, e mais grave ainda, nas relações pessoais. Tudo está banalizado, superficial, fácil, preguiçoso, sem coragem, sem valores, sem confiança, sem generosidade. Falando especificamente de cinema, sinto falta de uma geração mais corajosa, desbravadora. Lembremos dos anos 60, 70. Tinha tanta gente grande surgindo, fazendo coisas novas. Coppola, Scorsese, Nichols, Pollack, Spielberg, Lucas, Bogdanovich, Rafelson, Fosse. E o Sr. Allen. E muitos outros. Atualmente não vejo isso, é algo muito mais isolado e esporádico.

ANDERSON: Quem dessa nova geração você considera com real potencial?

DANTAS: Você! Você!

(risos)

ANDERSON (risos envergonhados): Obrigado, mas eu não conto, sou entrevistador hoje.

DANTAS: Absolutamente, claro que conta! Você é um dos mais geniais diretores a surgir em muito tempo; da nova geração, creio que o único que pode ser chamado de Mestre. Sua carreira é feita de filmes bem díspares, mas todos de primeira linha. Mesmo antes de estourar com “Boggie Nights”, você já tinha uma marca forte, absolutamente pessoal. Gostei muito de “Hard Eight”, com belos desempenhos de John C. Reilly e Gwyneth Paltrow. E o que dizer de “Magnólia” (“Magnolia)” e “Sangue Negro” (“There Will Be Blood”)? São dos filmes soberbos, extraordinários, seminais, exemplares máximos do melhor do cinema em suas décadas.

ALLEN (sarcástico): Ele já estava tímido de estar entre nós quatro, disse que era muito jovem, que ia se sentir deslocado. Agora então... deve estar todo suado...

(risos gerais)

HITCHCOCK
: Woody, vai devagar… Depois vão dizer que você também é sádico...

ALLEN
: Sádico eu? Nem poderia… Isso faz mal à saúde.

(mais risos)

ANDERSON
: Mas que outros nomes você citaria? Digamos que dos últimos dez, quinze anos para cá?

DANTAS: Sempre tem gente boa aparecendo. Leva algum tempo para a carreira de um diretor se formar. E a grande maioria só realiza um novo filme a cada dois, três anos. Nunca entendi bem esse hiato tão longo. Então, você em uma década pode ter apenas três filmes. De meados da década passada para cá, alguns deixaram uma marca maior, o que talvez só possa ser plenamente dimensionado em quinze, vinte anos. Ang Lee e Peter Jackson, por exemplo, são duas grandes contribuições no cinema recente. Sabem o que querem, são coerentes, talentosíssimos e têm coragem para conduzirem suas idéias até o fim. Vai ser interessante observar suas carreiras por anos. Baz Luhurmann só por ter feito “Moulin Rouge!” já se inscreveu na História. Pena que filma pouco e deu este tropeção recente com “Austrália”. Esperemos por “The Great Gatsby”, que está mantendo nossas expectativas altíssimas. E digam o que quiserem, mas M. Night Shyamalan é um dos grandes sopros de criatividade a surgir em tempos. Contudo querem exigir dele a cada filme um filme “com virada”, com “efeito supresa”, ou seja, repetir “O Sexto Sentido” (“The Sixth Sense’) e aí não dá mesmo. Tenho certeza de que vai além dessa fase complexa e delicada que está passando. David Fincher, em sua curva de maturidade, iniciada no belo “O Curioso Caso de Benjamin Button” (“The Curiosus Case of Benjamin Button”) e plenamente concretizada no fenomenal e símbolo de seu tempo “A Rede Social” (“The Social Network”) faz-se referencia obrigatória. E Jason Reitman é um garoto muito valioso, trilhava uma carreira ascendente, mas ao fazer um filme tão espetacular e maduro como “Amor Sem Escalas” (”Up in the Air”), não pode passar despercebido e como mais um por nós. Assim como Christopher Nolan, que com “A Origem” (“Inception”), garantiu seu lugar entre os maiores. Hoje Danny Boyle, Sam Mendes e Stephen Daldry já estão mais que endossados no primeiro time, mas sempre foram interessantes. Mas existem tantos outros bons...  Alexander Payne é excelente, trabalha tão bem com matizes... Kim Ki-Duk é incrível, alguém que merece um olhar atento. Michael Haneke é sempre instigante. E Sofia Coppola, que é muito mais que o rótulo de musa indie que tentam lhe impor. Gosto também de Curtis Hanson, Alejandro Amenábar, Michel Gondry, Wong Kar Wai, Noah Baumbach, Alfonso Cuarón, Alejandro González Iñárritu, Juan José Campanella, Aki Kaurismäki, Chris Kraus. E tem os da novíssima geração, como Denis Villeneuve e Xavier Dolan. E nomes que me parecem ainda indefinidos, mas que podem deslanchar, como Marc Forster, que faz filmes muito interessantes, mas que claramente precisa definir qual é o seu caminho. Esse é o problema, muitos ficam pelo caminho. Shekar Kapur fez “Elizabeth”, Steven Zaillian fez “Lances Inocentes” (“Searcing for Bobby Fischer”), Spike Jonze “Quero Ser John Malkovich" (“Being Jonh Malkovick”) e “Adaptação” (“Adaptation”), os Wachowski fizeram aquilo tudo em “Matrix”. E depois? Ainda queremos continuidade. Mas às vezes nos surpreendemos. Charlie Kaufman era apenas o roteirista mais instigante a surgir na década. Quem poderia imaginar que faria de seu primeiro filme como diretor uma obra-prima tão complexa, única, definitiva e genial como “Sinédoque, Nova York” (“Synecdoche, New York”)?

(continua)

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