terça-feira, 10 de janeiro de 2012

De Pé Ao Lado dos Gigantes (Parte II)

Fábio Dantas e os Mestres Hitchcock, Capra, Anderson, Kazan e Allen



De Pé Ao Lado dos Gigantes (Parte II)

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Continuação
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CAPRA: Pode nos contar mais sobre como se deu seu início em cinema?

DANTAS: Ah, foi muito cedo. Eu sempre fui uma criança meio precoce e comecei cedo mesmo, bem molequinho. Antes dos 10 anos de idade eu já via filmes clássicos nas altas madrugadas, na TV. Minha avó Helena via filmes até quase de manhã e eu via com ela. E ali, no sofá da sala, eu via os grandes clássicos. De início dublados mesmo, na TV. Eu lembro que quando vi “...E o Vento Levou” (“Gone whit the Wind”) pela primeira vez era bem novinho e adorei, adorei o filme... E assistia todos os grandes clássicos... Mas também assistia os filmes adolescentes, os blockbusters, também ia assistir “Titanic” e “Spider-Man” no cinema...  Ou seja, eu sempre quis ver de tudo, porque logo percebi que se eu quisesse entender mesmo do assunto, precisava mergulhar de verdade. Até hoje, nunca abandono um filme no meio, por pior que seja, vejo até o fim, nem que seja para saber que nunca mais precisarei ver e poderei falar mal para sempre com propriedade... (risos gerais) Quando eu entrei na adolescência, já tinha uma boa bagagem, muito além da condizente com minha idade. E o interessante é que e fui crescendo com o cinema, fui me tornando adulto com os filmes e tenho certeza que isso moldou profundamente minha personalidade. Sabem, foi algo muito interessante e acho que meio único, fui descobrindo o cinema e o mundo ao mesmo tempo... Então aí fui pesquisando mais, vendo matizes que em criança eu não percebia. Lembro que quando assisti “A Última Sessão de Cinema” (“The Last Picture Show”) de Peter Bogdanovich, pela primeira vez, achei o filme arrastado e lento, fiquei entediado. Porque eu não tinha maturidade nem apuro para compreender, afinal era muito criança. Depois, revendo, pude apreciar e compreender o grande filme que é. Talvez daí venha o prazer que tenho em rever filmes. Tem filmes que já assisti mais de dez vezes. Raros são os que eu só vi uma vez. A cada nova revisão surgem novas camadas. Até  porque somos todos seres em construção, em evolução,  e se os filmes não mudam, nós  mudamos e algumas de nossas impressões sobre eles também.

CAPRA: Você já recebeu muitas críticas por ser muito ligado ao Cinema Americano, a toda Hollywood, em detrimento das cinematografias estrangeiras e tachado de vendido e deslumbrado por Hollywood. Como lida com essas críticas?

DANTAS: Francamente, fico lisonjeado com a ligação com Hollywood. Em primeiro lugar, eu não trato o cinema não americano – ou não em língua inglesa, se consideramos o cinema inglês também – como inferior ou como se isso fosse um demérito. Isso é uma falácia debochada de pessoas superficiais e limitadas. Eu amo profundamente Grande Mestres como François Truffaut, Federico Fellini, Ingmar Bergman, Roberto Rossellini, Vittorio De Sica, Pedro Almodóvar. Truffaut, inclusive, estaria nesse grupo hoje, mas não pode estar aqui por questões de agenda. E vários dos nomes que citei anteriormente são de várias partes do mundo. O que esses leigos esquecem ou nem saber é que toda a Hollywood, assim como a nação EUA foi construída por estrangeiros, que lá encontraram uma indústria séria, que crescia e abrigava profissionais de todo o mundo que quisessem trabalhar a sério. Mesmo vocês aqui, Hitchcock é inglês, Capra é italiano e Kazan nasceu na Constantinopla, atual Turquia. E todos foram realizar uma carreira gloriosa em Hollywood, assim como os Grandes Fred Zinnemmann que é da Áustria e Billy Wilder, que é da Polônia. Como vocês sabem, muitos vieram após a Primeira Guerra Mundial, ou fugindo do Nazismo, mesmo antes da Segunda Guerra Mundial. E fizeram a Grande Hollywood, com suas mãos e sonhos. Portanto, querer conferir uma nacionalidade cinematográfica maior ou um DNA cinematográfico predominante, é no mínimo burrice e/ou desconhecimento.
Contudo, é fato inconteste que a essência – enquanto qualidade, indústria profissional, empreendedorismo, visibilidade, penetração global, influência sobre espectadores no mundo todo e mesmo quantitativo de relevância – do Cinema como o conhecemos, sempre foi e continua sendo Hollywood. Desde o início foi assim. E os leigos, se pesquisarem e estudarem o mínimo que for, saberão por que foi e é assim.
E sobre meu profundo amor, afeto e gratidão pelo cinema americano, é fato notório, do qual me orgulho muito. Foi a minha grande escola, minha formação, não apenas como homem de cinema e pesquisador, mas como ser humano.

KAZAN: E Cinema Brasileiro? Como você vê a cinematografia do país onde você vive?

DANTAS: Como de qualquer outro país, sob o prisma da qualidade e do mérito artístico.

KAZAN: Qual sua ligação e visão sobre o cinema brasileiro especificamente?

DANTAS: Tem alguns bons momentos, mas no geral sempre foi muito fraca. Nunca houve um diretor que fosse de fato – eu digo de fato, analisando imparcialmente – referência internacional. Nem atores, exceto Carmem Miranda. Mas existem ótimos trabalhos esporádicos. E está num bom momento, se começarem a tratar como profissionalismo, como uma indústria de cultura e entretenimento – que não tem necessariamente que ser algo massificante ou cruel como dizem – porém uma indústria séria, sem paternalismos ou acordões, podem crescer muito nessa boa fase, mais ainda com essa globalização.

KAZAN: Poderia citar filmes brasileiros que sejam referenciais para você?

DANTAS: Gosto muito de “Limite”, de Mario Peixoto e de “Casa de Areia”, de Andrucha Waddington. São dois filmes brilhantes, extraordinários.

KAZAN: Apenas esses dois? Poderia citar outros?

DANTAS
: Não, esses dois me bastam. Ok, até existem outros. “Cental do Brasil”, de Walter Salles, também tem seus méritos.

HITCHCOCK: Bem, falemos sobre um assunto delicado: Oscar.

DANTAS: Delicado, por que?

HITCHCOCK: Bem, eles souberam preterir gênios...

(risos gerais)

DANTAS: Ah, Hitch, eu sei bem. Creia, você não ter ganho o seu em competição nas suas cinco indicações e só ter recebido um honorário é a mancha negra mais citada na História da Academia.

HITCHCOCK
: Mesmo? Pelo menos sabem escolher bem suas manchas negras...

(risos gerais)

DANTAS: Sim, e o mais lamentável é que você não está só... Temos alguns grandes nunca premiados.

HITCHCOCK: Bem, daqui Anderson é o único que pode me fazer companhia... Gostaria de ser uma mancha negra, PT?

ANDERSON: Bem...

(mais risos)

DANTAS
: Ai...

ALLEN: Bem, eu ganhei três, mas nem fui receber em nenhuma das duas ocasiões, preferi tocar meu clarinete... Dizem que esse ano eu posso estar na lista de novo, mas acho que não poderei comparecer...

(mais risos)

HITCHCOCK: A sério, você sempre mostrou grande interesse pelo Oscar e é conhecido como pesquisador e estudioso sobre o assunto, que é abertamente uma de suas especialidades. Como isso começou?

DANTAS: Bem, amando cinema em geral e cinema americano em particular, não havia como não estar totalmente conectado ao Oscar. O assunto é onipresente, é a referência máxima em premiação em qualquer campo. Acho que é mais conhecido até que o Nobel... (risos). Quando eu era bem molequinho comprei um livro sobre o Oscar com todos os indicados e vencedores. Era como uma rede, um filme puxava um diretor, que puxava um ator, um fotógrafo... Aí comecei a articular tudo e perceber os links. Eu já sabia que a grande Katharine Hepburn era a maior vencedora do Oscar, que tinha ganhado quatro, então sabia que o prêmio significava. E aí toda a rede se forma... As pessoas amam e atacam o Oscar. Criticam e aos mesmo tempo não resistem ao seu fascínio. Nunca esteve tão globalizada como está, reconhecendo com seu atestado filmes de várias partes do mundo e muito além da categoria de Filme Estrangeiro. Ao mesmo tempo, tem cfometido impropérios, como ao preterir o brilhante “A Rede Social” (“The Social Network”), ano passado. Ou a histórico escândalo de não premiar “O Segredo de Brokeback Mountain” (“Brokeback Mountain”), em 2005, agravado pelo motivo que todos sabemos. E em ambos os casos privilegiando filmes nitidamente menores e fracos. Mas felizmente para cada caso desses, para cada aberração como “Coração Valente” (“Braveheart”), “Rocky – Um Lutador” (“Rocky”) ou “A Volta ao Mundo em 80 Dias” (“Around the World in 80 Days”), temos muitos mais acertos que erros. São 84 anos de História, com muito mais acertos e valorização de obras-primas inesquecíveis. Não esqueçamos que a Academia é uma instituição humana – e como todas essas,  sujeita a falhas.

ALLEN: Como você vê o Cinema em tempos de tanta tecnologia e recursos técnicos que podem se sobrepor aos bons roteiros, boas performances e boas histórias. Como você lida com esses Dias de Prestidigitação?

DANTAS
: Eu creio que todos os novos recursos e novas tecnologias tendem a alavancar nosso mundo. Nos levar para algo maior... O apuro de imagem, do som, o advento de novas sensações que permitam uma imersão total em uma sala de cinema é algo extraordinário. O 3D é apenas o início de toda a revolução que viveremos. Naturalmente, o deslumbre de alguns pela tecnologia é muito mais reflexo da pobreza intelectual e desse assustador fenômeno – se é que podemos chamar assim – de imbecilização coletiva que vemos hoje do que responsabilidade dos avanços técnicos. Na verdade, nada substitui o talento e o homem que arquiteta, trabalha e idealiza sua obra com os recursos técnicos disponíveis no seu tempo.
 
ALLEN:
De forma muito simples e sintética, como você definiria o Cinema?

DANTAS: O Cinema é a Grande Arte do século XX. Em inovação, em registro, em capacidade de difusão e abrangência. O Cinema tem um poder de universalidade que creio que em nenhuma outra linguagem artística tenha conseguido. É quase que uma vida paralela, uma vida alternativa, algo que está gravado no inconsciente coletivo. E que é feito por pessoas apaixonadas. Não dá para dedicar sua vida a cinema se não houver paixão. Sim, apesar de ser um dos negócios – se não o negócio – mais lucrativo do mundo, é preciso paixão, dedicação, amor, pois é inconstante, e só o tempo realmente legitima uma carreira e faz com que vá além de um relâmpago momentâneo. Talvez seja esse um dos aspectos que mais me fascina – e fascina muita gente pelo mundo há mais de cem anos – no cinema: seu caráter de memória, de eternidade. Um frame de segundo em está inscrito para todo o sempre. Fica como que encantado... Eu lembro que a primeira vez que assisti “Núpcias de Escândalo” (“The Philadelphia Story”), do grande George Cukor, com meus atores favoritos Katharine Hepburn e James Stewart, fiquei totalmente êxtasiado. O filme, a direção arrojada e elegante, as performances geniais, os diálogos brilhantes e ágeis... Foi amor á primeira vista! E eu logo percebi que aquele filme era de 1940. Minha mãe nem tinha nascido. E eu estava ali, um moleque na década de 90, totalmente encantado por um filme feito há mais de cinqüenta anos. Isso é único, é mágico, é fenomenal! Esse é o poder do cinema, que sempre se renova, nas novas gerações, em pessoas que em uma dia qualquer, sem esperar, vão se apaixonar por um filme, um ator ou atriz, viajar em um grande roteiro,  se emocionar com uma bela trilha sonora ou uma deslumbrante fotografia... Experimentar percepções e sensações que sequer sabiam que poderiam... E de repente, perceberão um sorriso em seus rostos... E isso é algo que não tem preço. No fim, é tudo sobre amor.

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