sábado, 25 de fevereiro de 2012

HISTÓRIAS CRUZADAS [THE HELP]


Caminhada Rumo À Dignidade

Por Fábio Dantas


               "Você é boa. Você é esperta. Você é importante." Logo no início de Histórias Cruzadas (The Help) vemos uma mulher dizendo estas palavras para uma menininha.  Palavras essenciais para o pleno desenvolvimento de uma criança, capazes de transmitir amor, auto-confiança e segurança. A mulher que as profere é Aibileen Clark (Viola Davis) e a menininha para quem são dirigidas é Mae Mobley (Eleanor Henry). Aibileen é babá de Mae e empregada doméstica de sua família. Aibileen passou sua vida cuidando das crianças de famílias brancas, enquanto mal pode cuidar de seu próprio filho. Deu além de cuidado, amor a todas estas crianças. Mas o retorno das famílias empregadoras e da sociedade não foi dos melhores. Como todas as negras, Aibileen não pode sentar no ônibus, não pode permanecer em certos recintos e não pode usar o banheiro da casa dos patrões, e sim um banheiro separado, para os negros.

Aibileen com a pequena Mae em sua antiga rotina de babá

               Skeeter Phelan (Emma Stone) é uma jovem rica sulista recém-formada que ávida por ser uam escritora séria e respeitada, pretende escrever um livro que faça diferença. Skeeter sente-se entediada, decepcionada e cansada em sua vida sulista, reprova as futilidades e vida oca de suas amigas burguesas, e mesmo algumas atitudes de sua própria família. Como todas as brancas, Skeeter deveria ser mais prendada e afeita às tarefas do lar, gastar seu tempo em chás para fofocar sobre a vida alheia e tentar agarrar um marido rico, antes que seja tarde demais e passe da idade. Skeeter, em pleno Movimento pelos Direitos Civis nos anos 60, decide escrever um livro com depoimentos das empregadas negras sobre seu trabalho para as famílias brancas.

Skeeter em sua nova rotina de escritora

               Os caminhos de Aibileen e Skeeter, duas mulheres singulares em seus meios, se cruzam quando esta pede à empregada de sua amiga que lhe de depoimentos para seu livro. Aibileen, de início reticente por represálias, acaba aceitando dividir sua história com Skeeter. E traz também as histórias de Minny Jackson (Octavia Spencer), melhor amiga de Abileen e empregada da frívola e maldosa Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard), figura dominadora que lidera as mulheres da vizinhança. Vários fatos em ebulição na iminente explosão dos conflitos raciais vão por em xeque a necessidade de reflexão e posicionamento por parte de cada um.
Skeeter e Aibileen selam sua parceria...
...que logo contará também com Minny.

               Os personagens de Histórias Cruzadas caminham em busca de sua identidade. Pessoas em busca da afirmação de quem são, quem querem ser e quem podem ser ou do mais próximo que podem ser de quem querem ser. Minny doma o quanto pode sua impetuosidade, é o paradoxo de ser uma mulher forte e decidida, mas sob a opressão dos patrões e do marido. Celia Foote (Jessica Chastain), mulher doce e desprezada pela elite local por ter casado com um homem rico e ser considerada excêntrica, descobre que mais importante que ser aceita, é compreender sal condição de mulher e esposa. Mesmo Hilly, em sua total falta de identidade, sendo uma mulher cruel e preconceituosa, é forçadamente a ocultar – no  acontecimento do filme, com a ajuda e o talento gastronômico de Minny – o que mais gosta de exaltar: sua (perturbada) identidade, que não poupa nem sua própria mãe Missus Walters (Sissy Spacek). Mas sobretudo, o filme trata das identidades de Skeeter e Aibillen. Skeeter se rebela para quebrar o ciclo de menina inútil que a vida sulista lhe reserva, e evitar seguir os passos de sua mãe Charlotte Phelan (Allison Janney), refém das convenções. Quando vêm à tona a história e o acontecido com sua própria babá, Constantine Jefferson (Cicely Tyson), Skeeter assume de vez a responsabilidade do livro como algo pessoal. Aibileen segue nas condições do que a vida lhe dá, ciente de sua capacidade e dignidade intocáveis, mas aprisionada sob o jugo do preconceito racial e social. Em determinada cena Mae diz para Aibileen: "Você é minha mãe de verdade, Aibi." O que só reforça todo o jogo de identidades presente no filme, mais ainda quando sabemos dos acontecimentos com o filho de Aibeleen.

Minny dando uma ajuda para a frágil Sra. Celia Foote...
e indo entregar sua torta muito especial.

               Se o roteiro de Histórias Cruzadas não é complexo e profundo o suficiente para dar conta de tantas questões importantes que acontecem com seus personagens e se a direção de Tate Taylor apenas narra os acontecimentos, sem imprimir uma marca mais forte, o grande trunfo do filme é seu elenco. Todo o grupo é extremamente coeso e ter atrizes como Sissy Spacek, Allison Janney, Cicely Tyson, Bryce Dallas Howard e Mary Steenburgen em plena forma é um mérito. Assim como atrizes que aqui tem sua primeira grande chance como a luminosa Jessica Chastain, a excelente Octavia Spencer e a estrela ascendente Emma Stone - que está no elenco do blockbuster do ano, o aguardadíssimo O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man).

Aibileen fazendo-se a dignidade personificada

               Contudo, mais que qualquer outro ponto positivo do filme, o seu grande brilho, a alma e razão de ser do filme é Viola Davis e sua Aibileen, que transborda lucidez, caráter, doçura, humanidade e dignidade. Um suspiro sufocado, um gesto comedido, um olhar em silêncio de Davis é algo sem preço. É o minimalismo que brilha por mérito, com louvor. Seu valor é  incalculável.
               A caminhada de Aibileen ao final do filme é a caminhada de todos os que lutam, persistem, sobrevivem e continuam.


* Ficha Técnica no IMDb: http://www.imdb.com/title/tt1454029/

domingo, 5 de fevereiro de 2012

OS DESCENDENTES [THE DESCENDANTS]


Sobre Raízes e o Inexorável Ciclo da Vida

por Fábio Dantas

               Como agir diante de uma tragédia inesperada? Como reorganizar sua vida sabendo que outras vidas dependem de seu comando? Como lidar com decisões que afetarão as vidas de muitos outros? Como lidar com uma traição descoberta tardiamente? Como sufocar seu orgulho ferido e raiva em prol do que considera decente e justo? Como diante de tantos, ter clareza para compreender que em alguns momentos o que resta é resignação e perdão?

Elizabeth em seus dias de sol

Matt refletindo diante da reviravolta de sua vida

               As questões acima tornam-se simultâneas na vida de Matt King (George Clooney) quando sua mulher Elizabeth (Patricia Hastie) sofre um acidente de lancha, que a deixa em coma. Matt, advogado que sempre se dedicou ao intensamente ao trabalho, precisa cuidar, lidar e assumir por inteiro a responsabilidade sobre as filhas Alexandra (Shailene Woodley), – adolescente inquieta como todas, mas com o agravante de ter tido uma forte divergência recente com a mãe – e a pequena Scottie (Amara Miller), que por sua vez é inquieta como todas as crianças. A família mora no Hawaii, Matt descende de uma princesa da região e é o depositário e administrador de uma vasta extensão de terras que todos os parentes pensam que chegou a hora de vender, o que daria uma pequena fortuna para cada um. Diante de toda essa pressão, Alexandra conta a Matt que Elizabeth o estava traindo com um homem da vizinhança. Então, com o incentivo e ajuda de Alexandra, Matt parte com esta, a filha menor e o amigo/ficante/relacionamento indefinido de Alexandra, Sid (Nick Krause), adolescente permanentemente brisado, em uma expedição para encontrar o amante de sua mulher.

Matt, Scottie, Alexandra e Sid na sua busca pela cidade...

... e pelas praias do Hawaii.

               Em Os Descendentes, Alexander Payne faz uma elegia à decência, ao altruísmo, à resignação e ao perdão. Se Payne em toda sua carreira versa com sutileza sobre o sentimento de inadequação em determinado lugar, sobre certa ânsia por algo ainda indefinido, sobre a busca por incessante por algo quem nem sabe-se o que, aqui ela constrói sua obra máxima. Nesta a crise de seu protagonista não é apenas existencial – não que estas sejam menores, como bem sabemos –, mas imediata, repentina, vinda de um estrondo cortante na água e espuma voadora. A tragédia de Matt, Elizabeth e sua família não veio do metrô repentino de que falava Tennessee Williams, mas sim de uma lancha repentina. Sua dor é abrupta, inesperada, emudecedora, paralizante. Seus próximos passos são ditados pela decência, responsabilidade, pela ética e pela moral. E Matt tem em George Clooney seu intérprete perfeito. Como poucos, Clooney pode viver um homem dos nossos tempos,  urbano, bidimensional, cheio de questionamentos e dilemas morais e existenciais. Sua galeria inclui os já antológicos Michael Clayton do excelente Conduta de Risco (Michael Clayton) e o Ryan Bingham do extraordinário e obra-prima moderna Amor Sem Escalas (Up in the Air). Matt King só dignifica o grupo e mantém o mesmo tom, a mesma linha mestra, mas sempre com matizes novas, o que em filmes com cérebro como esses é um truinfo. Seu monólogo quase ao final diante da sua mulher na cama do hospital é um dos pontos altos de sua carreira. E Clooney encontra suporte em um elenco homogêneo e crível, com destaque absoluto para Shailene Woodley, hipnotizante e inesquecível, como a filha mais velha Alexandra, uma atriz revelação que trabalha de forma impressionante as matizes de sua personagem.

Desdendentes reunidos sob a mesma manta, sob o ciclo da vida

               Os Descendentes fala de raízes. Raízes de sangue, raízes de terra, raízes de amor. Raízes profundas, com fibras fortes, que não podem ser rompidas. Fala do inexorável ciclo da vida. Fala também de seguir adiante. De fazer o melhor possível – e o mais correto possível – diante dos golpes da vida. E fala da necessidade vital de dizer adeus. Para poder seguir adiante. Todos merecem a chance de dizer adeus.


* Ficha Técnica no IMDb: http://www.imdb.com/title/tt1033575/