quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

MEIA-NOITE EM PARIS [MIDNIGHT IN PARIS]



Longa Jornada Encantada Meia-Noite Adentro

por Fábio Dantas

               Artistas são mágicos. São reinventores da vida, oras pelo viés da realidade, ora pelo devaneio da ilusão. Através dos séculos, criam suas obras que serão ou não legitimadas por sua qualidade, que sobreviverão ou não à pátina do tempo. Contudo, quando adentram no Olimpo dos Grandes, tornam-se eternos. Sempre discutidos, sempre amados, ás vezes detestados, mas sempre atuais e perenes. Se a eternidade entre os homens aqui na Terra não existe, os artistas são, mais que todos os grandes nomes da humanidade, os que mais perto disso chegam. O quão grandioso seria podermos reunir os grandes escritores, atores, diretores de cinema, cantores, pintores, escultores, dançarinos, os maiores Gênios Artísticos, juntos, como que encantados, em um mesmo momento?

Gil e seus novos amigos em passeio à meia-noite


    
Gil e Adriana: Poeta e Musa Inspiradora
               Woody Allen é um mágico. Trata dos mais variados temas da vida – amor, sexo, doenças, morte, destino, acaso, perdão – com um olhar único que discorre sobre nossas inquietações, aspirações, medos, inseguranças, sonhos e arroubos apaixonados. Transforma nossa realidade em um sonho de possibilidades infinitas, equlibrando como poucos realidade e sonho. Ou o sonho mais próximo do possível e a realidade mais próxima do sonho. É o que faz, sutilmente, em seu primeiro grande filme, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall), vencedor dos principais Oscars de 1977, modifica a final da peça baseada na história do filme, fazendo o casal – ele e Annie (sua Musa Diane Keaton) – ficar junto. É o que faz, antes, em mesmo disso, em Sonhos de um Sedutor (Play it again, Sam), de Herbert Ross, roteirizado por Allen e baseado em sua peça, parte de Casablanca e conta com a ajuda do astro Humphrey Bogart para conquistar sua amada (novamente Keaton). É o que faz em Zelig, ao criar um documentário fictício sobre um homem que se metamorfoseia em qualquer pessoa e interage grande vultos da História.   E é o que faz de forma mais radical em A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo), levando a sonhadora Cecília (Mia Farrow) a viver um romance com o herói de seu filme favorito, Tom Baxter, que sai das telas para a vida real por sua causa. O quão inacreditável seria poder transitar livremente pelo universo real e pelo universo dos sonhos?

Mestres em ação: F. Scott Fitzgerald e sua Zelda
Mestres em ação: Ernest Hemingway

               Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris) é pura mágica! Quando Gil (Owen Wilson), roteirista de sucesso no cinema, mas ainda tentando se estabelecer como escritor, viaja com sua noiva Inez (Rachel McAdams)  e com os pais desta em uma viajem a negócios para Paris, esperava apenas um breve interlúdio – possivelmente propício para inspiração, possivelmente propício para a relação com Inez -, em sua rotina. Porém, não esperava se apaixonar pela cidade-luz. Lá, diante de sua noiva fútil e chata, seus pais críticos e a cobrança para aceitar a realidade de ganhar milhões escrevendo roteiros e abrir mão do sonho de ser um romancista respeitado, Gil sente-se tão só como antes, tendo apenas o consolo de sentir-se assim agora em Paris. Em um solitário passeio noturno, Gil pega uma carona de um grupo, exatamente à meia-noite. Ele se vê trans portado para a Era Dourada da Paris de 1920. E percebe que naquele seleto grupo estão muitos dos maiores artistas da época: Francis Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston) e sua mulher Zelda (Alison Pill), Ernest Hemingway (Corey Stoll), Cole Porter (Yves Heck), Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo), Gertrude Stein (Kathy Bates), Salvador Dalí (Adrien Brody), T.S. Eliot (David Lowe), Luis Buñuel (Adrien de Van), Henri de Toulouse-Lautrec (Vincent Menjou Cortes), Henri Matisse (Yves-Antoine Spoto), Edgard Degas (François Rostain), Joséphine Baker (Sonia Rolland) e muitos mais. Lá conhece também Adriana (Marion Cotillard), uma jovem belíssima e encantadora, amante de Picasso e depois de Hemingway. A Musa perfeita, que logo conquista o coração do escritor. Então, Gil adentra em um mundo inteiramente novo, que tanto pode ser sua última chance de encontrar a inspiração perdida para escrever como para redirecionar sua própria vida.

Gil em dois momentos: se surpreendendo ao lado de  Hemingway e Gertrude Stein...
...e conhecendo a Belle Epoque com Adriana.
          
               Magia e encantamento permeiam cada fotograma de Meia-Noite em Paris. A jornada de Gil através do tempo, dos ídolos, dos Mitos, paralela à sua jornada pessoal, como escritor e indivíduo, se dá com inteligência, charme, leveza e humor. Allen presta uma das mais belas declarações de amor que Paris já recebeu no cinema, e isso é especialmente interessante por vir de um cineasta tão americano, lendário cidadão e ícone de Nova York. A inserção dos Grandes Mestres na vida de Gil ocorre com tamanha fluência e naturalidade que logo estamos com ele naquele universo mágico. A maestria do roteiro de Allen é tamanha que, mesmo vindo do roteirista que para muitos é o mais inventivo da segunda metade do século passado, com o recorde absoluto de quatorze indicações ao Oscar, deixa todos atônitos e perguntando se pode ser real de tão perfeito. E o elenco impressionante, mesclando astros consagrados e iniciantes, dignifica cada linha, cada enquadramento, cada luz e sombra delineada pelo Maestro. Dentre tantos, destaque para a luminosa Marion Cotillard, e ainda Adrien Brody, Kathy Bates, Corey Stoll, além do protagonista Owen Wilson, que encara com louvor e brilho o personagem Alleniano que na verdade só Allen pode desempenhar. Realizar uma obra como essa aos setenta e seis anos de idade, com tanto frescor e vigor, é tarefa que apenas o maior cineasta vivo poderia executar.

               Meia-Noite em Paris é uma das mais encantadoras, simples e por isso mesmo, triunfais mágicas de Woody Allen.


* Ficha Técnica no IMDb: http://www.imdb.com/title/tt1605783/
     

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

De Pé Ao Lado dos Gigantes

Fábio Dantas, ao centro, e os entrevistadores Hitchcock, Capra, Anderson, Kazan e Allen

De Pé Ao Lado dos Gigantes

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Cinema, a Arte do século. Que espelha, recria e modifica o mundo. Que se adapta, se transforma e reflete os novos tempos; mas nunca perde seu irresistível poder de encantamento e de linguagem universal. E de por muitas vezes inverter nossas noções de real e imaginário, de nos conferir uma vida paralela, contudo totalmente integrada com a real.

Em seu lançamento, PROJEÇÕES DIFUSAS propõe uma inversão, outra além das lentes e luzes; Fábio Dantas, Pesquisador, Historiador e Crítico de Cinema, é entrevistado por Woody Allen, Frank Capra, Alfred Hitchcock, Elia Kazan e Paul Thomas Anderson, cinco diretores referenciais no panorama cinematográfico. Durante uma tarde ensolarada de início de janeiro, em um hotel em Ipanema, eles conversam sobre os rumos da Arte e do Cinema, sobre a crítica, integridade profissional, escolhas e todas as possibilidades que os filmes tem de nos impelir adiante. Tudo moldado pelo amor comum ao cinema.
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KAZAN: Antes de tudo, como você recebeu esse convite, essa proposta de inversão, do crítico virar objeto de estudo e análise pelo artista?

DANTAS: Essas propostas que subvertem o lugar comum sempre me interessam. Sempre vi a Arte e a crítica como campos mais que complementares; são quase indissociáveis. De fato, um depende do outro. E essa dependência não significa subserviência, mas é conseqüência do processo artístico. Minha formação oficial é em História da Arte, como historiador tenho plena consciência de que o objeto artístico existe além da crítica. Mas também sei que esta é imprescindível não apenas para a aproximação deste com o público, mas principalmente para a sua legitimação.

KAZAN: Poderia elaborar melhor isso? Há artistas que não falam de suas obras, assim como há críticos que sequer mergulham no objeto artístico. Como isso se aplica nesse caso?

DANTAS: Creio que em como todos os outros. Há grande Arte, feita por grandes artistas. Assim como há os medíocres, que nem sei se podemos chamar da artistas, chamemos de “artistas ruins”. Como há os bons críticos, sérios e preparados, e os críticos incompetentes. Há de tudo no mundo. O que acredito que agrave um pouco no caso do Cinema, é que a crítica cinematográfica está caindo bastante. Nunca esteve tão fraca, ao menos desde que eu acompanho.

KAZAN: Poderia elabora melhor?

DANTAS: Sim, posso. Por exemplo, aqui no Brasil temos uma crítica de teatro das mais prestigiadas, Barbara Heliodora, que também é uma das maiores especialistas em Shakespeare por aqui, além de escritora e tradutora. Ela é muito temida, tem fama de exigente, mas ela é uma crítica de verdade. Analisa de fato o objeto de seu estudo. Tem conteúdo, disseca de fato a obra. Mais importante, entende de fato do assunto. E talvez, mais importante ainda, ama aquilo que analisa e se propõe a tratar. Sem essa paixão, não creio que possa funcionar.

ALLEN: Essa declaração é perigosa e pode parecer ingênua, pois sugere que, de alguma forma, a paixão pelo assunto pode valer mais que o conhecimento e a capacidade intelectual. Nesse tempos de mídia eletrônica, de tantos “especialistas” de internet, isso é mais grave ainda.

DANTAS: Exatamente. Ambos são importantes. O equilíbrio entre ambos é que faz um bom crítico. O que quis dizer é que sem amor pelo objeto estudado não pode funcionar. Sem conhecimento, obviamente, também não. Eu particularmente prezo ambos os fatores, mas acho mais fácil alguém movido por paixão conseguir adquirir o conhecimento necessário, do que alguém com conhecimento mas que escreva sem paixão, ou que só escreva para os seus pares. Porque aí vira algo burocrático, pernóstico, estéril. E isso quando entendem. Há uma tendência em nosso mundo para uma arrogância e futilidade que me desgasta. Vemos pessoas que mal entendem de determinado assunto, mas que gostam de aparentar entender. Não entendemos de tudo. Se não entende, mais vale começar a aprender que fingir que entende.

ANDERSON: E falando dos realizadores, de quem faz cinema? Você considera que o nível também está baixo?

DANTAS: Infelizmente, tenho a impressão que o mundo todo está se nivelando por baixo. É um fenômeno – se é que podemos falar assim – lamentável e geral. Não só nas Artes, não só em cinema, mas no geral, inclusive, e mais grave ainda, nas relações pessoais. Tudo está banalizado, superficial, fácil, preguiçoso, sem coragem, sem valores, sem confiança, sem generosidade. Falando especificamente de cinema, sinto falta de uma geração mais corajosa, desbravadora. Lembremos dos anos 60, 70. Tinha tanta gente grande surgindo, fazendo coisas novas. Coppola, Scorsese, Nichols, Pollack, Spielberg, Lucas, Bogdanovich, Rafelson, Fosse. E o Sr. Allen. E muitos outros. Atualmente não vejo isso, é algo muito mais isolado e esporádico.

ANDERSON: Quem dessa nova geração você considera com real potencial?

DANTAS: Você! Você!

(risos)

ANDERSON (risos envergonhados): Obrigado, mas eu não conto, sou entrevistador hoje.

DANTAS: Absolutamente, claro que conta! Você é um dos mais geniais diretores a surgir em muito tempo; da nova geração, creio que o único que pode ser chamado de Mestre. Sua carreira é feita de filmes bem díspares, mas todos de primeira linha. Mesmo antes de estourar com “Boggie Nights”, você já tinha uma marca forte, absolutamente pessoal. Gostei muito de “Hard Eight”, com belos desempenhos de John C. Reilly e Gwyneth Paltrow. E o que dizer de “Magnólia” (“Magnolia)” e “Sangue Negro” (“There Will Be Blood”)? São dos filmes soberbos, extraordinários, seminais, exemplares máximos do melhor do cinema em suas décadas.

ALLEN (sarcástico): Ele já estava tímido de estar entre nós quatro, disse que era muito jovem, que ia se sentir deslocado. Agora então... deve estar todo suado...

(risos gerais)

HITCHCOCK
: Woody, vai devagar… Depois vão dizer que você também é sádico...

ALLEN
: Sádico eu? Nem poderia… Isso faz mal à saúde.

(mais risos)

ANDERSON
: Mas que outros nomes você citaria? Digamos que dos últimos dez, quinze anos para cá?

DANTAS: Sempre tem gente boa aparecendo. Leva algum tempo para a carreira de um diretor se formar. E a grande maioria só realiza um novo filme a cada dois, três anos. Nunca entendi bem esse hiato tão longo. Então, você em uma década pode ter apenas três filmes. De meados da década passada para cá, alguns deixaram uma marca maior, o que talvez só possa ser plenamente dimensionado em quinze, vinte anos. Ang Lee e Peter Jackson, por exemplo, são duas grandes contribuições no cinema recente. Sabem o que querem, são coerentes, talentosíssimos e têm coragem para conduzirem suas idéias até o fim. Vai ser interessante observar suas carreiras por anos. Baz Luhurmann só por ter feito “Moulin Rouge!” já se inscreveu na História. Pena que filma pouco e deu este tropeção recente com “Austrália”. Esperemos por “The Great Gatsby”, que está mantendo nossas expectativas altíssimas. E digam o que quiserem, mas M. Night Shyamalan é um dos grandes sopros de criatividade a surgir em tempos. Contudo querem exigir dele a cada filme um filme “com virada”, com “efeito supresa”, ou seja, repetir “O Sexto Sentido” (“The Sixth Sense’) e aí não dá mesmo. Tenho certeza de que vai além dessa fase complexa e delicada que está passando. David Fincher, em sua curva de maturidade, iniciada no belo “O Curioso Caso de Benjamin Button” (“The Curiosus Case of Benjamin Button”) e plenamente concretizada no fenomenal e símbolo de seu tempo “A Rede Social” (“The Social Network”) faz-se referencia obrigatória. E Jason Reitman é um garoto muito valioso, trilhava uma carreira ascendente, mas ao fazer um filme tão espetacular e maduro como “Amor Sem Escalas” (”Up in the Air”), não pode passar despercebido e como mais um por nós. Assim como Christopher Nolan, que com “A Origem” (“Inception”), garantiu seu lugar entre os maiores. Hoje Danny Boyle, Sam Mendes e Stephen Daldry já estão mais que endossados no primeiro time, mas sempre foram interessantes. Mas existem tantos outros bons...  Alexander Payne é excelente, trabalha tão bem com matizes... Kim Ki-Duk é incrível, alguém que merece um olhar atento. Michael Haneke é sempre instigante. E Sofia Coppola, que é muito mais que o rótulo de musa indie que tentam lhe impor. Gosto também de Curtis Hanson, Alejandro Amenábar, Michel Gondry, Wong Kar Wai, Noah Baumbach, Alfonso Cuarón, Alejandro González Iñárritu, Juan José Campanella, Aki Kaurismäki, Chris Kraus. E tem os da novíssima geração, como Denis Villeneuve e Xavier Dolan. E nomes que me parecem ainda indefinidos, mas que podem deslanchar, como Marc Forster, que faz filmes muito interessantes, mas que claramente precisa definir qual é o seu caminho. Esse é o problema, muitos ficam pelo caminho. Shekar Kapur fez “Elizabeth”, Steven Zaillian fez “Lances Inocentes” (“Searcing for Bobby Fischer”), Spike Jonze “Quero Ser John Malkovich" (“Being Jonh Malkovick”) e “Adaptação” (“Adaptation”), os Wachowski fizeram aquilo tudo em “Matrix”. E depois? Ainda queremos continuidade. Mas às vezes nos surpreendemos. Charlie Kaufman era apenas o roteirista mais instigante a surgir na década. Quem poderia imaginar que faria de seu primeiro filme como diretor uma obra-prima tão complexa, única, definitiva e genial como “Sinédoque, Nova York” (“Synecdoche, New York”)?

(continua)

De Pé Ao Lado dos Gigantes (Parte II)

Fábio Dantas e os Mestres Hitchcock, Capra, Anderson, Kazan e Allen



De Pé Ao Lado dos Gigantes (Parte II)

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Continuação
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CAPRA: Pode nos contar mais sobre como se deu seu início em cinema?

DANTAS: Ah, foi muito cedo. Eu sempre fui uma criança meio precoce e comecei cedo mesmo, bem molequinho. Antes dos 10 anos de idade eu já via filmes clássicos nas altas madrugadas, na TV. Minha avó Helena via filmes até quase de manhã e eu via com ela. E ali, no sofá da sala, eu via os grandes clássicos. De início dublados mesmo, na TV. Eu lembro que quando vi “...E o Vento Levou” (“Gone whit the Wind”) pela primeira vez era bem novinho e adorei, adorei o filme... E assistia todos os grandes clássicos... Mas também assistia os filmes adolescentes, os blockbusters, também ia assistir “Titanic” e “Spider-Man” no cinema...  Ou seja, eu sempre quis ver de tudo, porque logo percebi que se eu quisesse entender mesmo do assunto, precisava mergulhar de verdade. Até hoje, nunca abandono um filme no meio, por pior que seja, vejo até o fim, nem que seja para saber que nunca mais precisarei ver e poderei falar mal para sempre com propriedade... (risos gerais) Quando eu entrei na adolescência, já tinha uma boa bagagem, muito além da condizente com minha idade. E o interessante é que e fui crescendo com o cinema, fui me tornando adulto com os filmes e tenho certeza que isso moldou profundamente minha personalidade. Sabem, foi algo muito interessante e acho que meio único, fui descobrindo o cinema e o mundo ao mesmo tempo... Então aí fui pesquisando mais, vendo matizes que em criança eu não percebia. Lembro que quando assisti “A Última Sessão de Cinema” (“The Last Picture Show”) de Peter Bogdanovich, pela primeira vez, achei o filme arrastado e lento, fiquei entediado. Porque eu não tinha maturidade nem apuro para compreender, afinal era muito criança. Depois, revendo, pude apreciar e compreender o grande filme que é. Talvez daí venha o prazer que tenho em rever filmes. Tem filmes que já assisti mais de dez vezes. Raros são os que eu só vi uma vez. A cada nova revisão surgem novas camadas. Até  porque somos todos seres em construção, em evolução,  e se os filmes não mudam, nós  mudamos e algumas de nossas impressões sobre eles também.

CAPRA: Você já recebeu muitas críticas por ser muito ligado ao Cinema Americano, a toda Hollywood, em detrimento das cinematografias estrangeiras e tachado de vendido e deslumbrado por Hollywood. Como lida com essas críticas?

DANTAS: Francamente, fico lisonjeado com a ligação com Hollywood. Em primeiro lugar, eu não trato o cinema não americano – ou não em língua inglesa, se consideramos o cinema inglês também – como inferior ou como se isso fosse um demérito. Isso é uma falácia debochada de pessoas superficiais e limitadas. Eu amo profundamente Grande Mestres como François Truffaut, Federico Fellini, Ingmar Bergman, Roberto Rossellini, Vittorio De Sica, Pedro Almodóvar. Truffaut, inclusive, estaria nesse grupo hoje, mas não pode estar aqui por questões de agenda. E vários dos nomes que citei anteriormente são de várias partes do mundo. O que esses leigos esquecem ou nem saber é que toda a Hollywood, assim como a nação EUA foi construída por estrangeiros, que lá encontraram uma indústria séria, que crescia e abrigava profissionais de todo o mundo que quisessem trabalhar a sério. Mesmo vocês aqui, Hitchcock é inglês, Capra é italiano e Kazan nasceu na Constantinopla, atual Turquia. E todos foram realizar uma carreira gloriosa em Hollywood, assim como os Grandes Fred Zinnemmann que é da Áustria e Billy Wilder, que é da Polônia. Como vocês sabem, muitos vieram após a Primeira Guerra Mundial, ou fugindo do Nazismo, mesmo antes da Segunda Guerra Mundial. E fizeram a Grande Hollywood, com suas mãos e sonhos. Portanto, querer conferir uma nacionalidade cinematográfica maior ou um DNA cinematográfico predominante, é no mínimo burrice e/ou desconhecimento.
Contudo, é fato inconteste que a essência – enquanto qualidade, indústria profissional, empreendedorismo, visibilidade, penetração global, influência sobre espectadores no mundo todo e mesmo quantitativo de relevância – do Cinema como o conhecemos, sempre foi e continua sendo Hollywood. Desde o início foi assim. E os leigos, se pesquisarem e estudarem o mínimo que for, saberão por que foi e é assim.
E sobre meu profundo amor, afeto e gratidão pelo cinema americano, é fato notório, do qual me orgulho muito. Foi a minha grande escola, minha formação, não apenas como homem de cinema e pesquisador, mas como ser humano.

KAZAN: E Cinema Brasileiro? Como você vê a cinematografia do país onde você vive?

DANTAS: Como de qualquer outro país, sob o prisma da qualidade e do mérito artístico.

KAZAN: Qual sua ligação e visão sobre o cinema brasileiro especificamente?

DANTAS: Tem alguns bons momentos, mas no geral sempre foi muito fraca. Nunca houve um diretor que fosse de fato – eu digo de fato, analisando imparcialmente – referência internacional. Nem atores, exceto Carmem Miranda. Mas existem ótimos trabalhos esporádicos. E está num bom momento, se começarem a tratar como profissionalismo, como uma indústria de cultura e entretenimento – que não tem necessariamente que ser algo massificante ou cruel como dizem – porém uma indústria séria, sem paternalismos ou acordões, podem crescer muito nessa boa fase, mais ainda com essa globalização.

KAZAN: Poderia citar filmes brasileiros que sejam referenciais para você?

DANTAS: Gosto muito de “Limite”, de Mario Peixoto e de “Casa de Areia”, de Andrucha Waddington. São dois filmes brilhantes, extraordinários.

KAZAN: Apenas esses dois? Poderia citar outros?

DANTAS
: Não, esses dois me bastam. Ok, até existem outros. “Cental do Brasil”, de Walter Salles, também tem seus méritos.

HITCHCOCK: Bem, falemos sobre um assunto delicado: Oscar.

DANTAS: Delicado, por que?

HITCHCOCK: Bem, eles souberam preterir gênios...

(risos gerais)

DANTAS: Ah, Hitch, eu sei bem. Creia, você não ter ganho o seu em competição nas suas cinco indicações e só ter recebido um honorário é a mancha negra mais citada na História da Academia.

HITCHCOCK
: Mesmo? Pelo menos sabem escolher bem suas manchas negras...

(risos gerais)

DANTAS: Sim, e o mais lamentável é que você não está só... Temos alguns grandes nunca premiados.

HITCHCOCK: Bem, daqui Anderson é o único que pode me fazer companhia... Gostaria de ser uma mancha negra, PT?

ANDERSON: Bem...

(mais risos)

DANTAS
: Ai...

ALLEN: Bem, eu ganhei três, mas nem fui receber em nenhuma das duas ocasiões, preferi tocar meu clarinete... Dizem que esse ano eu posso estar na lista de novo, mas acho que não poderei comparecer...

(mais risos)

HITCHCOCK: A sério, você sempre mostrou grande interesse pelo Oscar e é conhecido como pesquisador e estudioso sobre o assunto, que é abertamente uma de suas especialidades. Como isso começou?

DANTAS: Bem, amando cinema em geral e cinema americano em particular, não havia como não estar totalmente conectado ao Oscar. O assunto é onipresente, é a referência máxima em premiação em qualquer campo. Acho que é mais conhecido até que o Nobel... (risos). Quando eu era bem molequinho comprei um livro sobre o Oscar com todos os indicados e vencedores. Era como uma rede, um filme puxava um diretor, que puxava um ator, um fotógrafo... Aí comecei a articular tudo e perceber os links. Eu já sabia que a grande Katharine Hepburn era a maior vencedora do Oscar, que tinha ganhado quatro, então sabia que o prêmio significava. E aí toda a rede se forma... As pessoas amam e atacam o Oscar. Criticam e aos mesmo tempo não resistem ao seu fascínio. Nunca esteve tão globalizada como está, reconhecendo com seu atestado filmes de várias partes do mundo e muito além da categoria de Filme Estrangeiro. Ao mesmo tempo, tem cfometido impropérios, como ao preterir o brilhante “A Rede Social” (“The Social Network”), ano passado. Ou a histórico escândalo de não premiar “O Segredo de Brokeback Mountain” (“Brokeback Mountain”), em 2005, agravado pelo motivo que todos sabemos. E em ambos os casos privilegiando filmes nitidamente menores e fracos. Mas felizmente para cada caso desses, para cada aberração como “Coração Valente” (“Braveheart”), “Rocky – Um Lutador” (“Rocky”) ou “A Volta ao Mundo em 80 Dias” (“Around the World in 80 Days”), temos muitos mais acertos que erros. São 84 anos de História, com muito mais acertos e valorização de obras-primas inesquecíveis. Não esqueçamos que a Academia é uma instituição humana – e como todas essas,  sujeita a falhas.

ALLEN: Como você vê o Cinema em tempos de tanta tecnologia e recursos técnicos que podem se sobrepor aos bons roteiros, boas performances e boas histórias. Como você lida com esses Dias de Prestidigitação?

DANTAS
: Eu creio que todos os novos recursos e novas tecnologias tendem a alavancar nosso mundo. Nos levar para algo maior... O apuro de imagem, do som, o advento de novas sensações que permitam uma imersão total em uma sala de cinema é algo extraordinário. O 3D é apenas o início de toda a revolução que viveremos. Naturalmente, o deslumbre de alguns pela tecnologia é muito mais reflexo da pobreza intelectual e desse assustador fenômeno – se é que podemos chamar assim – de imbecilização coletiva que vemos hoje do que responsabilidade dos avanços técnicos. Na verdade, nada substitui o talento e o homem que arquiteta, trabalha e idealiza sua obra com os recursos técnicos disponíveis no seu tempo.
 
ALLEN:
De forma muito simples e sintética, como você definiria o Cinema?

DANTAS: O Cinema é a Grande Arte do século XX. Em inovação, em registro, em capacidade de difusão e abrangência. O Cinema tem um poder de universalidade que creio que em nenhuma outra linguagem artística tenha conseguido. É quase que uma vida paralela, uma vida alternativa, algo que está gravado no inconsciente coletivo. E que é feito por pessoas apaixonadas. Não dá para dedicar sua vida a cinema se não houver paixão. Sim, apesar de ser um dos negócios – se não o negócio – mais lucrativo do mundo, é preciso paixão, dedicação, amor, pois é inconstante, e só o tempo realmente legitima uma carreira e faz com que vá além de um relâmpago momentâneo. Talvez seja esse um dos aspectos que mais me fascina – e fascina muita gente pelo mundo há mais de cem anos – no cinema: seu caráter de memória, de eternidade. Um frame de segundo em está inscrito para todo o sempre. Fica como que encantado... Eu lembro que a primeira vez que assisti “Núpcias de Escândalo” (“The Philadelphia Story”), do grande George Cukor, com meus atores favoritos Katharine Hepburn e James Stewart, fiquei totalmente êxtasiado. O filme, a direção arrojada e elegante, as performances geniais, os diálogos brilhantes e ágeis... Foi amor á primeira vista! E eu logo percebi que aquele filme era de 1940. Minha mãe nem tinha nascido. E eu estava ali, um moleque na década de 90, totalmente encantado por um filme feito há mais de cinqüenta anos. Isso é único, é mágico, é fenomenal! Esse é o poder do cinema, que sempre se renova, nas novas gerações, em pessoas que em uma dia qualquer, sem esperar, vão se apaixonar por um filme, um ator ou atriz, viajar em um grande roteiro,  se emocionar com uma bela trilha sonora ou uma deslumbrante fotografia... Experimentar percepções e sensações que sequer sabiam que poderiam... E de repente, perceberão um sorriso em seus rostos... E isso é algo que não tem preço. No fim, é tudo sobre amor.

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Em breve os melhores filmes em DVD , lançamentos e antigos que merecem ser revisto e pesquisados, aqui no Projeções Difusas.

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