domingo, 5 de fevereiro de 2012

OS DESCENDENTES [THE DESCENDANTS]


Sobre Raízes e o Inexorável Ciclo da Vida

por Fábio Dantas

               Como agir diante de uma tragédia inesperada? Como reorganizar sua vida sabendo que outras vidas dependem de seu comando? Como lidar com decisões que afetarão as vidas de muitos outros? Como lidar com uma traição descoberta tardiamente? Como sufocar seu orgulho ferido e raiva em prol do que considera decente e justo? Como diante de tantos, ter clareza para compreender que em alguns momentos o que resta é resignação e perdão?

Elizabeth em seus dias de sol

Matt refletindo diante da reviravolta de sua vida

               As questões acima tornam-se simultâneas na vida de Matt King (George Clooney) quando sua mulher Elizabeth (Patricia Hastie) sofre um acidente de lancha, que a deixa em coma. Matt, advogado que sempre se dedicou ao intensamente ao trabalho, precisa cuidar, lidar e assumir por inteiro a responsabilidade sobre as filhas Alexandra (Shailene Woodley), – adolescente inquieta como todas, mas com o agravante de ter tido uma forte divergência recente com a mãe – e a pequena Scottie (Amara Miller), que por sua vez é inquieta como todas as crianças. A família mora no Hawaii, Matt descende de uma princesa da região e é o depositário e administrador de uma vasta extensão de terras que todos os parentes pensam que chegou a hora de vender, o que daria uma pequena fortuna para cada um. Diante de toda essa pressão, Alexandra conta a Matt que Elizabeth o estava traindo com um homem da vizinhança. Então, com o incentivo e ajuda de Alexandra, Matt parte com esta, a filha menor e o amigo/ficante/relacionamento indefinido de Alexandra, Sid (Nick Krause), adolescente permanentemente brisado, em uma expedição para encontrar o amante de sua mulher.

Matt, Scottie, Alexandra e Sid na sua busca pela cidade...

... e pelas praias do Hawaii.

               Em Os Descendentes, Alexander Payne faz uma elegia à decência, ao altruísmo, à resignação e ao perdão. Se Payne em toda sua carreira versa com sutileza sobre o sentimento de inadequação em determinado lugar, sobre certa ânsia por algo ainda indefinido, sobre a busca por incessante por algo quem nem sabe-se o que, aqui ela constrói sua obra máxima. Nesta a crise de seu protagonista não é apenas existencial – não que estas sejam menores, como bem sabemos –, mas imediata, repentina, vinda de um estrondo cortante na água e espuma voadora. A tragédia de Matt, Elizabeth e sua família não veio do metrô repentino de que falava Tennessee Williams, mas sim de uma lancha repentina. Sua dor é abrupta, inesperada, emudecedora, paralizante. Seus próximos passos são ditados pela decência, responsabilidade, pela ética e pela moral. E Matt tem em George Clooney seu intérprete perfeito. Como poucos, Clooney pode viver um homem dos nossos tempos,  urbano, bidimensional, cheio de questionamentos e dilemas morais e existenciais. Sua galeria inclui os já antológicos Michael Clayton do excelente Conduta de Risco (Michael Clayton) e o Ryan Bingham do extraordinário e obra-prima moderna Amor Sem Escalas (Up in the Air). Matt King só dignifica o grupo e mantém o mesmo tom, a mesma linha mestra, mas sempre com matizes novas, o que em filmes com cérebro como esses é um truinfo. Seu monólogo quase ao final diante da sua mulher na cama do hospital é um dos pontos altos de sua carreira. E Clooney encontra suporte em um elenco homogêneo e crível, com destaque absoluto para Shailene Woodley, hipnotizante e inesquecível, como a filha mais velha Alexandra, uma atriz revelação que trabalha de forma impressionante as matizes de sua personagem.

Desdendentes reunidos sob a mesma manta, sob o ciclo da vida

               Os Descendentes fala de raízes. Raízes de sangue, raízes de terra, raízes de amor. Raízes profundas, com fibras fortes, que não podem ser rompidas. Fala do inexorável ciclo da vida. Fala também de seguir adiante. De fazer o melhor possível – e o mais correto possível – diante dos golpes da vida. E fala da necessidade vital de dizer adeus. Para poder seguir adiante. Todos merecem a chance de dizer adeus.


* Ficha Técnica no IMDb: http://www.imdb.com/title/tt1033575/

6 comentários:

  1. É a Arte imitando a vida, Não creio que seja um dos melhores filmes Clooney, mais apreciei o texto Fábio não podia ser melhor, sem se superando.

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  2. "Os Descendentes" é maravilhoso. O roteiro é magnífico, faz a gente rir nos momentos mais inesperados e refletir sempre. E o elenco. Ah... o elenco: se George Clooney tem uma das melhores atuações de sua carreira (o monólogo para a mulher em coma é comovente), o resto do elenco não fica atrás. Afinal, Shailene Woodley é uma revelação nesse filme. E o que dizer de Robert Forster, Amara Miller, o impagável Nick Krause, Judy Greer e, pasme, Matthew Lillard?
    Só você, Flapp para me fazer perceber a relação da história com Tennessee Williams.
    O filme é sobre tudo isso que você questionou no início do texto, mas também sobre amar, apesar de tudo.
    Matt King entra para a galeria de personagens magníficos de George Clooney, que a cada novo filme, se torna ainda melhor e mais perspicaz como ator.
    Na próxima encarnação (se houver) vou querer voltar como George Clooney: bonito, milionário, ótimo ator, diretor e roteirista e ainda por cima, se dá ao luxo de ser solteirão aos 50 (rsrs).
    Abraços, Flapp e parabéns por mais um ótimo texto.

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  3. filme lindo e sincero.
    acho lindo tb a mensagem da importância de dizer "Adeus"!!
    Elenco perfeito.
    o Payne dificilmente decepciona.

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  4. De fato acho essa situação uma das mais complicadas! Mas a grande satisfação em filmes como esses é o fundo de incentivo que traz a quem passou ou passará por algo assim!
    Ótima análise Fabio!

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  5. Filminho fofo, com um Clooney agradável de se ver - e a cena mais bonita, quando Alexandra mergulha na piscina e deixa sua dor embaixo d'água.

    mas não é meu predileto, e eu tenho um pouco de dificuldade de ver essa maestria toda do Clooney, não sei.

    filme gostosinho, mas não me foi assiiim comovente. digamos que é um Little Miss Sunshine com ukeleles... heh.

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